PERSONAGENS:
LIZA
LÚCIA: irmã de Liza
NORA: mãe de Liza
DENIS: marido de Lúcia
KLEBER: namorado de Liza
MARGARIDA: mãe de Kleber
ATO I
CENA I
(numa sala bem mobiliada Nora faz tricô
pacientemente, Liza entra feliz, como se estivesse flutuando).
NORA:
-
(num tom seco) Posso saber o motivo de tanta felicidade?
LIZA:
-
Ora, dona Nora! Hoje me sinto como se estivesse nas nuvens!
NORA:
-
Ah, é?! E posso eu saber o que a deixou nas nuvens?
LIZA:
-
Ainda é cedo! No momento certo a senhora saberá.
NORA:
-
Como sempre! Nós, mães sempre somos as últimas, a saber, o que os filhos andam
aprontando...
LIZA:
-
Ora mãezinha! Que modo de falar! (agacha-se a seu lado) Não sou, mas nenhuma
adolescente para aprontar!
NORA:
-
Age como se fosse!
LIZA:
-
Ora mamãe! Estou feliz! Apenas estou feliz. Feliz como há muito tempo não me
sentia...
NORA:
-
Só espero que não esqueça sua condição...
LIZA:
-
Que condição?
NORA:
-
De mulher separada.
LIZA:
-
E daí, qual o problema? O fato de ser separada não me impede de ser feliz!
NORA:
-
(levanta-se) Ora Liza, você não é,
mas uma menina e nem tão pouco uma donzela. Ou você ainda acredita que os
homens que se aproximam de uma mulher que já foi casada, que já se entregou a
outro homem, com intenção de casar-se? Ora esta, francamente! Acorda!
LIZA:
-
Claro que acredito! Acredito sim. Não vejo nada de impossível! O amor é sim
possível. As pessoas amam mãe. Nem todos tem tendência para viver uma vida
inteira cheia de preconceitos e amarguras!
NORA:
-
Não seja ridícula! As pessoas falam. E na hora h, este príncipe tão perfeito
torna-se seu próprio carrasco.
LIZA:
-
Que se dane-se as pessoas! Pouco me importa o que falam! Que cada um desses
desocupados cuide de suas vidas e deixem a minha em paz! Quero ser feliz! E não
vou deixar de viver para ouvir o que dizem. Eu sou responsável por minha
felicidade, sendo assim da minha vida cuido eu.
NORA:
-
Eu ligo para o que dizem as pessoas, me importa sim. As mulheres desta família
sempre foram respeitadas!
LIZA:
-
Respeitadas e infelizes.
NORA:
-
Por acaso você é feliz?
LIZA:
-
Estou em busca da minha felicidade...
NORA:
-
E por isto pretende transformar minha casa num bordel?
LIZA:
-
(indignada) Não acredito que esteja
me comparando a uma...
NORA:
-
Se as coisas continuarem neste rumo, é assim que todos vão a comparar.
LIZA:
-
Que o mundo inteiro me julgue, tudo bem!
NORA:
-
Tudo bem coisa nenhuma!
LIZA:
-
Mas a senhora, mãe?
NORA:
-
Vou ser franca com você Liza. Nunca fui a favor do seu divórcio. Mas aceitei,
mesmo contra minha vontade, por você ser minha filha... Mas vê-la, entrar por
esta porta, altas horas da noite... Sabe-se Deus fazendo o que?! Isto não vou
permiti. Se esta é a vidinha que você quer viver é um direito seu. Mas
digo-lhe, não aqui, não debaixo do meu teto. E este é um direito meu. Está é
minha casa e exijo respeito! Pense bem nisso e decida o que achar melhor.
LIZA:
-
Sempre achei que encontraria seu apoio...
NORA:
-
Não posso apoiar que aos meus olhos não é melhor para você. Não posso
compartilhar com seus erros!
LIZA:
-
É errado está feliz?
NORA:
-
Quando a felicidade nos torna cega a ponto de perder o respeito por si próprio,
sim é errado!
LIZA:
-
Às vezes me pergunto se um dia a senhora já sentiu o que é felicidade...
NORA:
-
Uma breve ilusão de prazer que passa!
LIZA:
-
Feliz o ser humano que ainda pode viver um breve momento de ilusão! Se a
senhora se iludisse um pouco, se sentisse, mas amor pelas pessoas, se sorrisse
um pouco mais, se encontrasse prazer em pequenas coisas, talvez fosse menos
amarga!
NORA:
-
Não sou de falar duas vezes. Pense bem no que lhe disse... Agora vai lavar este
rosto que, mas está parecendo uma máscara.
(continua tricotando, Liza sai, as luzes
vão diminuindo aos poucos)
CENA II
(Denis está sentado na poltrona, com a
camisa aberta, shoot de seda com as pernas na mesa de centro, lê jornal, Lúcia
entra, sua fisionomia é acanhada, apesar da aparência jovial é retraída e se
veste de forma deselegante)
LÚCIA:
-
Ah, paizinho! Já lhe disse para não vir para sala desse jeito...
DENIS:
-
Ah, mãezinha! Relaxa! Hoje é domingo. E o que seria de um homem como eu se em
pleno domingão em sua própria casa tivesse que usar terno e gravata?!
LÚCIA:
-
Você já sabe mamãe não gosta!
DENIS:
-
Será que dona Nora gostava de fazer sexo?
LÚCIA:
-
Denis! Olha o respeito!
DENIS:
-
Só fiz um comentário curioso! Às vezes me pergunto como é que sua mãe consegue respirar
o mesmo ar que tosos nós. Por que ela é sempre tão imponente, tão diferente de
todas as mulheres... Quase que uma santa! É difícil imaginar que um dia já
gostou da coisa...
LÚCIA:
-
Guarde seus comentários grotescos para você. Afinal, mamãe sempre foi tão
generosa conosco, nos deixando ficar aqui...
DENIS:
-
Generosa?
LÚCIA:
-
Sim, generosa. Ela poderia se recusar. Lembro-me bem que sempre dizia antes de
nosso casamento: "Quem casa quer casa!" Cada um em seu cantinho.
DENIS:
-
Isso parece até uma pressão!
LÚCIA:
-
Não meu amor, não é!
DENIS:
-
Ela lhe disse algo?
LÚCIA:
-
Claro que não. Mamãe sempre nos deu todo apoio. Podemos ficar o tempo que for
preciso, até as coisas melhorarem...
DENIS:
-
Aposto que me acha um inútil!
LÚCIA:
-
Não crie problemas, Denis...
DENIS:
-
Aposto que todas as vezes que saiu para o escritório me apunhala pelas costas
enchendo sua cabeça...
LÚCIA:
-
Pare com isso! Está sendo injusto. (entra Nora)
NORA:
-
Qual o problema, que está acontecendo aqui?
LÚCIA:
-
Problema? Nenhum mamãe.
NORA:
-
Se não tem problema, por que teu marido está nu na minha sala?
DENIS:
-
Nu? Não estou nu.
NORA:
-
Da forma que fui educada, andar deste jeito pela casa é está nu. Sou uma mulher
viúva, e por esta ser a minha casa, exijo respeito.
DENIS:
-
Por que? A senhora viúva não pode se recordar dos bons tempos da mocidade?
NORA:
-
Me respeite seu atrevido!
DENIS:
-
Agora sei por que seu outro genro resolveu cair fora.
NORA:
-
Era um inútil como você.
LÚCIA:
-
Mamãe!
DENIS:
-
Tem razão. Não deveria está aqui em sua casa lhe aturando.
NORA:
-
Quem tem o direito de aturar ou não, sou eu! Está é minha casa. E se não está
satisfeito, a porta é serventia da casa!
DENIS:
-
Quer saber?!
LÚCIA:
-
Denis...
NORA:
-
Deixe Lúcia.
DENIS:
-
A senhora não passa de uma velha ranzinza, amargurada que vai acabar sozinha...
NORA:
-
Uma velha senhora de respeito que na sua juventude se casou com um homem que
além das obrigações afetivas, soube me dar conforto e segurança.
DENIS:
-
Fique com sua casa, já que é seu maior orgulho. Quem sabe dona Nora ela lhe
servirá de túmulo! (sai)
LÚCIA:
-
Denis... Amor! (fica em dúvida entre ir
ou ficar)
NORA:
-
Vá atrás do seu marido. Mesmo sendo ele um traste imprestável a mulher deve
segui-lo. (Lúcia sai. Nora senta-se em
uma cadeira)
CENA III
(Lúcia esta descansada, põe a cabeça no
colo de Liza, que lhe acaricia os cabelos)
LIZA:
-
Oh, maninha, não fique assim! Tudo vai se resolver, você verá.
LÚCIA:
-
Mamãe foi muito rude com ele.
LIZA:
-
Imagino que sim! Mas esse é o jeito dela.
LÚCIA:
-
Disse coisas horríveis.
LIZA:
-
Nossa mãe muitas vezes tentando nos proteger acaba nos magoando. Quer saber, às
vezes acredito que não percebe. E se percebe depois, é orgulhosa demais para se
desculpar.
LÚCIA:
-
Sinto um aperto em meu coração.
LIZA:
-
Nervoso! Vai passar.
LÚCIA:
-
Tenho medo!
LIZA:
-
Todos temos, principalmente, quando as coisas fogem do nosso controle.
LÚCIA:
-
Que saber qual é o meu maior medo?
LIZA:
-
Lúcia está situação logo se resolverá.
LÚCIA:
-
Tenho medo de que Denis não volte.
LIZA:
-
Não seja tola!
LÚCIA:
-
(Senta, de frente para irmã) Não é
tolice. Às vezes eu sinto que vou perdê-lo.
LIZA:
-
Não há motivos para essa insegurança, Denis te ama.
LÚCIA:
-
Não sei. Às vezes sinto que ele...
LIZA:
-
É só impressão.
LÚCIA:
-
Muitas vezes... Não sei se devo... É nossa intimidade.
LIZA:
-
Lúcia. Se não quiser...
LÚCIA:
-
Pior que quero. Você sabe, sempre fui tão inexperiente. E Denis foi o meu
primeiro namorado, o meu primeiro beijo, meu primeiro e único homem. E se ele
não estiver satisfeito, feliz?
LIZA:
-
Ora minha irmã... (pega-lhe as mãos) Essas coisas aprendemos com o tempo. E é
por isso que nossos maridos nos escolheram. Não vou negar que gostem de
mulheres experientes, mas é com as virgens que preferem construir uma família.
LÚCIA:
-
Mamãe nunca conversou conosco sobre...
LIZA:
-
Sexo? Ela jamais falaria sobre isso. É proibido, pecado! Lúcia, o que a
perturba?
LÚCIA:
-
Eu sei que devo confiar em você, mas...
LIZA:
-
Tem vergonha! Talvez seja por ser sua irmã, ou por não querer parecer
inexperiente. Mas pode crer minha irmã incertezas todos temos.
LÚCIA:
-
Você teve medo?
LIZA:
-
Muitos.
LÚCIA:
-
Você sempre me pareceu tão forte, tão determinada.
LIZA:
-
Só fachada! E se eu fosse tão perfeita como todos imaginam, meu casamento não
teria naufragado.
LÚCIA:
-
Promete que, se eu lhe contar fica entre nós, como um segredo só nosso?
LIZA:
-
Claro.
LÚCIA:
-
Quase não fazemos amor.
LIZA:
-
Não entendo. São tão jovens!
LÚCIA:
-
(Chora) Por minha culpa... Ele tenta,
mas eu...
LIZA:
-
Você...?
LÚCIA:
-
Nunca consigo ir até o fim.
LIZA:
-
E por quê?
LÚCIA:
-
Acho que não sinto prazer. Por mais que eu queira , deseje, não consigo!
LIZA:
-
Calma me explica direito.
LÚCIA:
-
Que explicação? Fico apavorada toda as vezes que ele... E agora está lá livre e
solto morando na casa de um amigo.
LIZA:
-
Por que se sente apavorada? O que lhe causa esse pavor?
LÚCIA:
-
Sinto muita dor. Li um artigo numa revista que falava de mulheres frígidas.
Será que sou uma dessas?
LIZA:
-
Bobagem! Tire isso da cabeça... Isso não tem nada a ver com frigidez! Você ama
teu marido e sente-se bem ao lado dele. Apenas sente um desconforto quando
pratica sexo com ele. Minha irmã isso é, mas comum que imagina. Se sente
desconforto ao praticar sexo, pode ser que algo esteja errado organicamente,
precisamos consultar um ginecologista. Pode ser que esteja com uma inflamação
vaginal.
LÚCIA:
-
Ginecologista?
LIZA:
-
É.
LÚCIA:
-
Não sei o se teria coragem! Dizem que temos que nos despir diante dele...
LIZA:
-
Lhe garanto que isso não dói nada.
LÚCIA:
-
É imoral.
LIZA:
-
Imoral é conviver com isso calada. Vou marcar uma hora com pra você com o meu
ginecologista...
LÚCIA:
-
Não sei se terei coragem!
LIZA:
-
Estarei com você. Lúcia faça isso pelo seu casamento, por você.
LÚCIA:
-
Se vai comigo... Eu aceito. Mas com uma condição... Mamãe não pode saber.
LIZA:
-
Se depender de mim... Não saberá.
LÚCIA:
-
Acha que é isso mesmo?
LIZA:
-
Tenho quase certeza. Tudo vai ficar bem! Agora vem cá, me dar um abraço bem
apertado... (se abraçam)
CENA IV
(Nora está na sala, sentada em sua
poltrona, faz tricô. Em vez enquanto olha para o infinito, parece tensa. A companhia
toca. Vai atender. É Denis)
DENIS:
-
Boa noite!
NORA:
-
Entre. (firme) Sente-se...
DENIS:
-
Estou bem assim.
NORA:
-
Você quem sabe!
DENIS:
-
Deseja falar comigo?
NORA:
-
Me sinto obrigada a conversar contigo uma vez que você ainda é marido de minha
filha...
DENIS:
-
É dona Nora! Acho que foi um erro ter vindo...
NORA:
-
Erro maior será deixar esta sala sem antes ouvir que tenho a lhe dizer. Saiba
rapaz que não sou obrigada a me sujeitar a seu caprichos. Infelizmente você é
casado com minha filha e mesmo sendo eu contra esse casamento desde o início, a
burrada está feita. Aceite eu ou não, devo respeitar a decisão, a escolha da
minha filha...
DENIS:
-
Dona Nora, vamos deixar de rodeios e vamos direto ao assunto. Que me detesta,
já sei. Então me poupe de sermões! O que a senhora quer?
NORA:
-
Quero que assuma suas responsabilidades quanto marido, dando a minha filha a
vida digna que merece...
DENIS:
-
As coisas não estão fáceis como à senhora imagina...
NORA:
-
Nunca foram! Por isso exige de nós um esforço maior...
DENIS:
-
Acha que não me esforço? Pois saiba, conheço minhas responsabilidades e estou
fazendo o que posso para arrumar um cantinho e logo vir tirar Lúcia desta
casa...
NORA:
-
Um cantinho? Não criei minha filha pra ser jogada num cantinho qualquer!
DENIS:
-
Pois fique sabendo que ela é minha mulher e vai comigo para onde eu for. E se
quer saber, qualquer cantinho por mas modesto que seja, é melhor que viver
nesta casa. Sabe por que dona Nora? Por que aqui a frieza e amargura encontrou
habitação. Nesta casa ninguém consegue sentir o calor humano... A senhora nunca
permitiu isto nesta casa. É tudo muito fria e formal!
NORA:
-
Você até pode tentar me ofender... Mas sabe que sou diferente de sua mulher,
não sou tola e não me contento com qualquer coisa!
DENIS:
-
Vou levar minha mulher desta casa...
NORA:
-
Não seja inconsequente!
DENIS:
-
Essa é minha decisão! Cantinho ou não Lúcia não irá se opor ir comigo.
NORA:
-
Não desejo que minha filha more em um cortiço qualquer. Por isso peço-lhe que
considere voltar a ficar aqui enquanto arranja um lugar decente para colocar
minha filha.
DENIS:
-
Qualquer lugar é mais decente para se viver que nesta casa.
NORA:
-
Bom! Minha parte eu fiz! Depois não diga que não tentei. Deixo-os viver aqui em
minha casa provisoriamente até que arrumem um lugar decente para morar. E não
faço isso por você, mas por minha filha!
DENIS:
-
Lhe agradeço. Mas minha resposta continua sendo, não! Agora desejo falar com
minha mulher. (Nora levanta-se e sai)
LÚCIA:
-
Paizinho! (abraça)
DENIS:
-
Como está? (a beija)
LÚCIA:
-
Bem! E você? Amor está tão magro...
DENIS:
-
Impressão sua.
LÚCIA:
-
Quando voltará? Sinto sua falta. Quero meu maridinho aqui, ao meu lado...
DENIS:
-
Breve estaremos juntos.
LÚCIA:
-
Breve, quando?
DENIS:
-
Estou arranjando um lugar e logo virei lhe buscar.
LÚCIA:
-
Por favor amor, volte para casa!
DENIS:
-
Não. Não posso! A única coisa que sua mãe não conseguiu ferir, foi meu orgulho!
LÚCIA:
-
Por mim, volte!
DENIS:
-
Lúcia, não posso recuar agora... É para nosso bem!
LÚCIA:
-
Que bem? Me sinto sozinha... Não me deixe aqui amor!
DENIS:
-
Não estou lhe abandonando meu bem. Confie em mim!
LÚCIA:
-
Sim, confio. Mas...
DENIS:
-
(ele a beija) Ótimo!
LÚCIA:
-
Me abrace forte meu amor! (ele abraça)
DENIS:
-
Te ligo à noite.
LÚCIA:
-
Vou ficar aqui, de plantão, ao lado do telefone. Só esperando você me ligar! Te
amo!
DENIS:
-
Também te amo! Boa noite! (a beija)
LÚCIA:
-
Me liga!
DENIS:
-
Claro! Boa noite!
LÚCIA:
-
Boa! (sai) Boa noite amor!
(Liza está sentada lendo uma revista de
moda. Nora entra e examina a revista com censura)
NORA:
-
Boa porcaria!
LIZA:
-
Que bom que as coisas mudam, evoluem...
NORA:
-
Em outros tempos as mulheres de bem não se deixavam influenciar por essas
bobagens...
LIZA:
-
Em outros tempos as mulheres não tinham direito ao voto, não podiam trabalhar
fora, não usavam anticoncepcional, eram tão submissas mamãe, que não podiam nem
mesmo ter o direito de sentir prazer.
NORA:
-
Ao menos não viviam por aí... Como um bando de perdidas!
LIZA:
-
Existem várias formas de se sentir perdida. Uma dessas formas é a infelicidade
com o simples pretexto de manter a família!
NORA:
-
Ora esta Liza! Quando é que você vai acordar pra realidade. Acha mesmo que suas
escolhas de mulher moderna, independente, está lhe trazendo benefícios? Até
quando vai viver assim? Se iludindo?...
LIZA:
-
Posso lhe garantir que minha vida não é uma ilusão! Estou em buscada minha
felicidade, daquilo que acredito!
NORA:
-
No que acredita?
LIZA:
-
Ser feliz é ser livre!
NORA:
-
Toda liberdade tem seu preço! É espantoso! Sua geração tem tanta liberdade e no
entanto, não sabe o que fazer com ela.
LIZA:
-
Pelo menos temos a possibilidade de tentar!
NORA:
-
Até quando?
LIZA:
-
Até dar certo.
NORA:
-
Fico olhando pra vocês e acho penoso vê-las dando murro em ponta de faca. E
ainda ouvir repetir: Estou tentando!
LIZA:
-
Quer saber? Vou tentar sempre até acertar um dia...
NORA:
-
Ah, é? Não diga!
LIZA:
-
Pra não terminar meus dias assim...
NORA:
- Assim como?
LIZA:
- Como à senhora mãe! Com tanta
amargura...
NORA:
- Escute bem o que vou lhe dizer...
Pode demorar o tempo que for, mas um dia vai me dar razão.
LIZA:
- Ou vice-versa!
NORA:
- Não. Tenho experiência, sei o que
estou falando!
LIZA:
- Deveria torcer por minha
felicidade.
NORA:
- E torço! Não só por sua felicidade
mas como também pela felicidade de Lúcia.
LIZA:
- De que forma? Assim? Sempre do
contra?! Pelo amor de Deus mãe! Olha para Denis e Lúcia o quanto estão afastado
por sua intolerância.
NORA:
- Intolerante eu? Ora esta, sua
ingrata! Há três longos anos mantenho aquele imprestável aqui, debaixo do meu
teto. Comendo e bebendo as minhas custas! Acha o que? Que não deveria
pressionar este vagabundo a assumir sua responsabilidade diante a seu papel de
marido? A tomar uma atitude de um homem responsável...
LIZA:
- Até concordo com a senhora em
alguns aspectos. Só discordo da forma que escolhe para pressionar as pessoas a
se posicionar diante seus problemas. Acho que deveria ser mais amável!
NORA:
- É impossível ser amável quando se
aponta erros!
LIZA:
- Não por ele, mas por sua filha.
Mãe, Lúcia está sofrendo!
NORA:
- O sofrimento de sua irmã é
resultado da escolha dela. Falta de conselho não foi!
LIZA:
- Que tipo de mãe é você? Deixa sua
filha sofrer apenas pelo fato de ter se casado com um homem no qual a senhora
não aprova? Não seja cruel. É sua filha!
NORA:
- Chega Liza! Se me acha tão má, se
acredita que sou o motivo de suas infelicidades então por que não procuram seus
caminhos...
LIZA: - (tenta falar)
NORA:
- Não diga mais nada! Um dia irão me dar
razão! Já disse e torno a dizer, enquanto estiverem debaixo do meu teto, vão
dançar conforme minha música. (sai)
CENA V
(Lúcia entra)
LÚCIA:
- Discutiram?
LIZA:
- É! É impossível conversar com nossa
mãe sem que se sinta mal.
LÚCIA:
- Eu sei. E ai? Que foi dessa vez?
LIZA:
- Aquelas coisas de sempre.
LÚCIA:
- Denis esteve aqui...
LIZA:
- E aí?
LÚCIA:
- Decidiu que não voltará mas para esta casa.
LIZA:
- Quem sabe não é melhor assim!
LÚCIA:
- Tenho medo.! Medo que... Ele se
engrace por outra mulher e me esqueça. Que não volte. Insegurança!
LIZA:
- Denis te ama minha irmã! Isto não
vai acontecer.
LÚCIA:
- E se acontecer? O que farei?
LIZA:
- Não pense tolices! Quem sabe o que estão
vivendo não seja melhor...
LÚCIA:
- Melhor? Como!? Eu aqui e meu marido
longe de mim exposto às tentações?
LIZA:
-
Lucia existem fatos na vida que por mais que lutamos contra é impossível que
aconteçam. Quem sabe isto vai fortalecer mais ainda sua relação. Minha irmã, o
que tem que ser será. (Lúcia sente-se mal)
Que foi?
LÚCIA:
- Um pouco de tontura! Acho que não
estou me alimentando bem, e está situação tem me deixado com os nervos à flor
da pele.
LIZA:
- Lú você precisa se cuidar.
LÚCIA:
- Sei que sim. Mas ultimamente não
tenho tido apetite e quando como sinto meu estômago embrulhar...
LIZA:
-Será...?
LÚCIA:
- Que?
LIZA:
- Nada. Vamos fazer assim, não quero
chegar a uma conclusão precipitada. Amanhã vamos ao Dr. Onofre. Há quanto tempo
não desce?
LÚCIA:
- O que?
LIZA:
- Sua menstruação.
LÚCIA:
- Acho que há um mês...
LIZA:
- Então... Isso que dizer que...
LÚCIA:
- Que o que?
LIZA:
- Você pode... Meu Deus!
LÚCIA:
- Posso o quer?
LIZA:
- Não acredito que não esteja
entendendo... Você pode está esperando um bebê!
LÚCIA:
- Bebê?!
LIZA:
- É. Que maravilha!
LÚCIA:
- Um bebê! Vou ser mãe?
LIZA:
- É possível. E eu, titia!
LÚCIA:
- Pode ser um alarme falso. E mamãe
que vai dizer se for confirmado?
LIZA:
- Não importa! Podemos ir agora mesmo
a farmácia comprar um daqueles testes que são feitos em casa...
LÚCIA:
- Não sei. Será que é seguro?
LIZA:
- Larga de bobagem, vem comigo! Hoje
faremos o teste da farmácia e depois confirmaremos com Dr. Onofre.
LÚCIA:
- Mas liza...
LIZA:
-Mas nada! Vem... (Liza a puxa pela mão como se fosse criança.
Saem)
ATO II
(Ouve-se a campanhia. Kleber cruza a
sala, abre a porta. Liza entra o beija calorosamente é carregada em seus braços
até o sofá)
CENA I
LIZA:
- Amor! Quanta falta, senti de
você...
KLEBER:
- Eu também minha branquinha!
LIZA:
- Jura que se comportou como um bom
menino!?
KLEBER:
- Claro! Só tenho olhos para você.
LIZA:
- Ó! Não seja um menino mau!
KLEBER:
- Jamais serei!
LIZA: -
Posso lhe castigar.
KLEBER:
- E que castigo receberia?
LIZA:
-Greve total!
KLEBER:
- Isso não. Pose até me acorrentar na
cama e fazer de mim o que bem quiser. Mas se negar? Isso eu não suportaria.
Sabes que sou louco por você, e não vejo a hora de...
LIZA:
- (se levanta) É exatamente sobre isso que vim falar contigo.
KLEBER:
- Não suporto mais agir assim, como
se nós estivéssemos escondendo algo terrível. Somos adultos e estamos
apaixonados. A vontade que sinto é de poder demonstrar todo esse amor que por
você...
LIZA:
- E você acha que eu não? Ainda mas
agora que me sinto mais segura com nossa relação...
KLEBER:
-
Não sei de onde surgiu esta insegurança. Desde a primeira vez que lhe vi, foi
amor à primeira vista! Te amei desde o primeiro momento. E olha que antes de te
conhecer nem acreditava em amor à primeira vista!
LIZA:
- Ah, fala sério! Você me olhou
várias vezes.
KLEBER:
- Não pude evitar! Parecia que estava
diante de uma Vênus. Quando percebi que correspondeu aos meus olhares, quase
nem acreditei. Pensei que estivesse sonhando!
LIZA:
- Também não foi assim tão fácil!
KLEBER:
- Claro que não!
LIZA:
- Não que eu não quisesse
corresponder, mas a cada olhar teu, sentia um frio, um tremor no corpo, uma
sequidão na garganta. Tinha a impressão que se não me sentasse naquele banco
cairia, ali mesmo!
KLEBER:
- Se não tivesse falado contigo, acho
que jamais falaria comigo...
LIZA:
- Acho que não teria coragem, embora
queixe! Que bom que você foi mas corajoso que eu e veio puxar conversa...
KLEBER:
- Te juro que não sabia ao certo o
que falar!
LIZA:
- Seus olhos falavam por si.
KLEBER:
- Minha branquinha, te quero muito!
LIZA:
- Também te quero muito! Desejo muito
ser a senhora Martins.
KLEBER:
-É um pedido de casamento?
LIZA:
-
Vamos fazer um jantar lá em casa. Minha irmã descobriu que está grávida. Não é
maravilhoso? Lúcia, minha irmã caçula vai se mãe! Então resolvemos organizar
este jantar para dar a notícia de sua gravidez e aproveitando a oportunidade
gostaria de lhe apresentar a minha família...
KLEBER:
- Acha o momento propicio?
LIZA:
- Já perdemos tempo demais! É uma
oportunidade maravilhosa onde toda família estará reunida...
KLEBER:
- Enfim vou poder lhe pedir em
casamento e oficializar nossa relação! Só me preocupo com sua mãe. Pelo jeito
que fala dela...
LIZA:
- Medo da sogra?
KLEBER:
- Não por mim, mas Por você.
LIZA:
- Minha mãe não é nenhum monstro,
apenas uma senhora conservadora e cheia de preceitos!
KLEBER:
- Poderá ficar surpresa com...
LIZA:
- O fato de sua filha separada está
completamente apaixonada e vivendo um ardente caso de amor?
KLEBER:
- Apaixonada por um homem negro.
LIZA:
- Eu te amo! Você é meu deus do
Ébano. E pra mim você é apenas o homem que amo! Não importa a opinião dela ou
de qualquer outra pessoa. Te amo, quero ser feliz ao teu lado e pronto!
KLEBER:
-Você é muito especial.
LIZA:
- O amor me faz... Então topa?
KLEBER:
- Aceito.
LIZA:
- Que bom amor!
KLEBER:
- Sabe que estou pensando?
LIZA:
- Não... Mas pela tua cara, posso
imaginar!
KLEBER:
-É?
LIZA:
- É.
KLEBER:
- Que tal nosso ninho de amor?
LIZA:
- Ótima ideia. (a pega no colo e a leva para dentro)
CENA II
(Lúcia fala ao telefone. Nora entra
senta na poltrona, escuta a conversa)
LÚCIA:
-
Paizinho... Amor! Que saudade. Eu também... Não, claro que não. O que acha?
Estou vivendo por viver... É tudo tão solitário, tão vazio sem você amor.
Escuta... Estou te ligando pra lhe convidar, convidar não! Estou te
intimando... Escuta, neste domingo quero que venha almoçar conosco. Não amor...
Tenho certeza que você vai adorar... Ah, amor! Faz isso por mim. Escuta, estou
lhe pedindo. É muito importante para mim. Então tá amor. Um beijo. Te amo,
muito, muito, muito... Também! Beijos! (desliga
e fica com o fone próximo ao ombro quase imóvel)
NORA:
- Olha o pulso! Dá pra colocar o fone
no gancho?
LÚCIA:
- Claro!
NORA:
-Só faltou implorar.
LÚCIA:
-Denis ainda está muito magoado...
NORA:
- Quem sabe um dia esse ingrato do
teu marido irá me agradecer!
LÚCIA:
- Agradecer?
NORA:
- É, agradecer! Pelo o empurrão.
LÚCIA:
- Mas que empurrão?
NORA:
- Se teu marido realmente tem o
mínimo de dignidade tomará uma atitude e enfim dará um rumo à vida.
LÚCIA:
-
Mamãe, não vamos voltar a este assunto. Estou muito feliz para me chatear com
isso agora!
NORA:
-E
de onde vem tanta felicidade? Meu Deus! É incrível, minhas filhas estão agora
radiando felicidade!
LÚCIA:
- Amor mamãe! Deste amor que sinto
por meu marido, pela vida!
NORA:
- Cuidado minha filha! Se fosse você
teria muito cuidado... O amor também enlouquece, cega, nos faz viver pesadelos.
LÚCIA:
- Deus permita que não esteja falando
sério! Não me deixarei levar por esse seu rancor. Não desta vez mamãe!
NORA:
- O que a estranbelhada de sua irmã
anda aprontando?
LÚCIA:
- Seria mas sensato perguntar a ela.
(sai)
NORA:
- Não sei por que ainda me espanto!
LIZA:
-E Lúcinha?
NORA:
- O que você está pretendendo?
LIZA:
- Ora mãe! Do que a senhora está me
acusando?
NORA:
-
Que está de cabeça virada já sei... (se
levanta) Mas fazer a cabeça da sua irmã! Francamente...
LIZA:
- Não compreendo.
NORA:
-
Serei mais clara. Não irei admitir que fique enchendo a cabeça de sua irmã! Bem
sabe que Lúcia não é como você. É ingênua.
LIZA:
-
Suportar tudo que Lúcia tem suportado todos esses anos não é um sinal de
fraqueza. Talvez ela seja a mais forte de todos nós!
NORA:
-
Fique sabendo você mocinha. Se tua irmã quiser seguir o mesmo caminho que você,
que siga. Pouco me importo desde que seja bem longe daqui. Já basta uma
perdida! Você só me traz vergonha!
LIZA:
- Vergonha?
NORA:
-
Vergonha sim. Se quisesse seguir o caminho correto, estava com seu marido. Não
por aí feito uma qualquer...
LIZA:
- Então é esta a imagem que faz de
mim?
NORA:
-
É triste para uma mãe ter que admitir... É a imagem que você passa! De uma
mulher à toa.
LIZA:
- Tenho muita pena da senhora. É tão
ignorante que faz julgo sem conhecer os fotos.
NORA:
-
Guarde sua piedade pra você! Quando passar seus anos de juventude, vai perceber
a burrada que está fazendo, ai minha filha será tarde demais... Neste momento
lembrará tudo que tenho lhe dito. Só espero não viver o suficiente para ver
este dia chegar...
LIZA:
-
É incrível! Às vezes chego a pensar que a senhora torce pela minha
infelicidade. Se pensa que vou passar minha vida inteira como à senhora, sentada
nesta poltrona amaldiçoando a todos e torcendo sua própria infelicidade por não
ter coragem de erguer a cabeça e ir enfrente, engana-se! Deixei meu marido e
não me arrependo. Se não tivesse seguido seus conselhos, não teria subido
aquele altar, com a ilusão que estaria fazendo a coisa certa.
NORA:
- Subiu ao altar por que se entregou
a ele antes de saber...
LIZA:
-
Me entreguei por que tive desejos e se quer saber, não me arrependo de ter me
entregue a ele antes do casamento...
NORA:
- Foi digno de ter lhe aceitado mesmo
desonrada!
LIZA:
- Esse é meu arrependimento. Ter me
casado pra satisfazer sua vontade!
NORA:
- Nunca me enganou, sempre soube que
não ia prestar! Ele foi muito digno em aceitar...
LIZA:
- Um falso, fingido, hipócrita! Como
toda nossa sociedade.
NORA:
-E esses homens com quem tem andado?
Onde são melhores que ele?
LIZA:
- Por quem me tomas?
NORA:
- Por sua conduta imoral.
LIZA:
- Imoral é essa sua mente doentia e
suja!
NORA:
-
Ora sua... (bofetada) me respeite!
Sou sua mãe. Esta é minha casa e quem grita aqui sou eu! Se quer levar esta
vidinha, viva! Mas bem longe daqui.
LIZA:
- É isso mesmo que vou fazer. Um dia
vai engolir cada palavra...
NORA:
- Chega, Liza! Me embrulha o estômago
olhar para esta tua cara deslavada. Vou para meu quarto antes que eu faça uma
bobagem... (sai)
(Liza senta-se na poltrona desconsolada.
Pouco a pouco as luzes vão se apagando)
CENA III
(Lúcia está com uma bacia na mão. Mexe a
massa de um bolo. Liza entra e senta-se ao seu lado)
LIZA:
- Estive pensando...
LÚCIA:
- Em que?
LIZA:
- Quanto mais perto fica esse almoço,
mas temo.
LÚCIA:
- É por causa de mamãe, não é?
LIZA:
- É. Não por mim! De certa forma já
estou acostumada com as hostilidades dela. Mas quanto a Denis...
LÚCIA:
- Nem me fale!
LIZA:
- E meu amorzinho que vem a esta casa
pela primeira vez?!
LÚCIA:
-
Só de pensar me dá um frio no estômago! Às claras já estão em neves bem
consistentes.
LIZA:
- Então já pode despejar as gemas.
LÚCIA:
- Pronto. E então nervosa?
LIZA:
- E não era pra está? Mas vou
sobreviver!
LÚCIA:
- Como foi à conversa com ela?
LIZA:
- Como sempre...
LÚCIA:
- Acho que nunca mudará. Temos que
nos conformar, afinal é nossa mãe!
LIZA:
- Conformar!
LÚCIA:
- E esse seu pretendente, como é?
LIZA:
- Maravilhoso! Embora eu seja
suspeita para falar...
LÚCIA:
- Hum! Então é paixão!
LIZA:
- Sabe que às vezes me pergunto:
porque não o encontrei antes?
LÚCIA:
- Como ele é? Quero dizer, assim,
fisicamente?
LIZA:
-
Um pedaço! (Lúcia abaixa o olhar tímida)
Um touro! Daqueles que te come com os olhos... Você está envergonhada. Boba! Ficou
vermelha.
LÚCIA:
- Não foi isso que perguntei...
LIZA:
- Sei que não. Quis deixá-la
embaraçada!
LÚCIA:
- Conseguiu.
LIZA:
-
Ele é alto, forte, tem um sorriso maroto, dentes perfeitos, é gentil e cá entre
nós, sabe deixar uma mulher maluca! E o melhor de tudo é que estamos
apaixonados.
LÚCIA:
- Nossa! Se é assim, qual o seu medo?
LIZA:
-E que o Kleber é negro!
LÚCIA:
- (solta a bacia) Negro?
LIZA:
- Negão, dos pés a cabeça.
LÚCIA:
- Deus!
LIZA:
- E isso me atrai muito.
LÚCIA:
- Mamãe vai enfartar! Sabemos que tem
aversão à gente de cor.
LIZA:
-
Terá que conviver com isso. Se é racista o problema é dela. Quanto à solução é
minha. Estou apaixonada e nada, nem ninguém, me fará desistir deste amor. Eu o
amo! Vou lutar com unhas e dentes para ficar ao lado dele. Também sei que me
ama e que deseja se casar comigo, isto já é o suficiente.
LÚCIA:
- Amor?
LIZA:
-Amor...
LÚCIA:
- Pensei que fosse tara.
LIZA:
- Porque não as duas coisas...
LÚCIA:
-
Nossa! Sabe que te admiro. Gostaria de ter essa força, esta certeza que você tem.
São poucas mulheres que têm essa garra, esta fibra de ir contra tudo e todos
pelo que quer...
LIZA:
- O importante é começar! O primeiro
passo você já deu. Cada pessoa tem seu ritmo...
LÚCIA:
- Como acha que mamãe vai reagir
quando você apresentá-lo?
LIZA:
-
Embora prefira não pensar sobre isso... Mas sei que é inevitável não ter um só
pensamento a este respeito. Conhecendo bem Dona Nora como conheço, enfartar não
vai. Usará todos os artifícios possíveis para agredi-lo moralmente e assim nos
deixar constrangidas!
LÚCIA:
- Posso comentar uma coisa?
LIZA:
- Claro!
LÚCIA:
- Não sei se devo.
LIZA:
- Deixa de bobagem! Está vermelha!
LÚCIA:
- É curioso, mas ao mesmo tempo
vergonhoso lhe perguntar sobre isso...
LIZA:
- Não gostaria que houvesse segredos
entre nós. Já que não podemos confiar em nossa mãe para certos tipos de
assuntos, nada mau se tivéssemos um diálogo mais aberto.
LÚCIA:
- Não sei como lhe perguntar isso!
LIZA:
- Deixa de rodeios! Vá direto ao
assunto!
LÚCIA:
- É que dizem que homens negros
são... Como posso dizer?
LIZA:
- Bem dotados!
LÚCIA:
- Liza?!
LIZA:
- Muitas mulheres têm fantasias, por
acharem que os homens negros por terem um físico na maioria da vezes
privilegiado, que são máquinas de fazer sexo! E que têm um...
LÚCIA:
- Liza! E tem fundamento ou é só uma
fantasia?
LIZA:
-
Os negros são homens como qualquer outro! Claro que independente de cor há uma
variedade. Mas devemos contar também as qualidades. Para um relacionamento
perfeito é preciso antes de qualquer coisa, uma afinação entre o casal. Ah,
minha irmã! Quando os sentimentos são verdadeiros e mútuos, independente da cor
da pele, este homem é o melhor do mundo!
LÚCIA:
- Vocês já...?
LIZA:
- Claro! Ora minha querida, não sou
de ferro!
LÚCIA:
- Não acha que pega mau se entregar
assim... Antes do casamento?
LIZA:
-
Bobagem! Me entreguei por amor. Nada neste mundo me faria sentir arrependimento
de está nos braços do meu deus do ébano. Nesta vida Lúcinha, levamos apenas o
que vivemos!
LÚCIA:
- Não teve medo de engravidar?
LIZA:
-Tomei todos os cuidados possíveis.
Prazer hoje, tranquilidade amanhã!
LÚCIA:
- E se engravidar?
LIZA:
-
E meus filhos nascerem mulatinhos? Seriam os mulatinhos mais lindos do mundo! E
eu a mãe mais orgulhosa da face da terra! Agora vamos deixar de conversa fiada
que temos um bolo e um jantar para preparar. Mas, depois continuaremos esta
prosa!
LÚCIA:
- É mesmo já estamos atrasadas!
LIZA:
-Então?! Mãos á obra! (saem de cena em direção a cozinha)
CENA IV
(Nora está sentada em sua poltrona.
Esfolia um álbum de fotografia. Sua expressão é de nostalgia)
NORA:
-
Durante toda nossa vida somos ensinados por nossos pais para construir a
família perfeita... No auge de nossa rebeldia o que menos queremos é ser iguais
aos nossos pais, repudiamos sua submissão, seu conformismo e a forma que
encaram o futuro. Desejamos ser diferentes, reagimos. Ferimos. Somos feridos! A
juventude nos permite momentos insanos por nos permitir o perdão da nossa
ignorância. Mas o tempo passa, e com ele a juventude. A vida é uma sequência de
repetições... Temos até a impressão que somos espelhos de nossos pais!
Repetindo os mesmos erros, as mesmas atitudes... Tudo isso em busca da
felicidade que deixamos para trás e desejamos agora para nossos filhos que
insanos refletem o que um dia fomos! (fecha
o álbum. Sai)
ATO II
CENA I
(Luz geral. No centro do palco há uma
mesa bem decorada. Lúcia arruma um jarro com flores. Liza entra trazendo os
talheres. Ambas estão nervosas, porém felizes)
NORA:
-Vão
ficar assim? Rodando de um lado pra outro feito pião?!Não vejo razão pra tanta
hesitação?! Agem como se algo de muito especial fosse acontecer. Jantares
assim, só dávamos em ocasiões muito importantes!
LÚCIA:
-
Mamãe...
LIZA:
-
Deixa! Quanto mais retruca, mais assunto dá...
NORA:
- Será que as senhoritas poderiam me
dizer o por quê disso agora? Por que esse capricho todo? Algo me diz que isto
não vai prestar!
LIZA:
-
No dia que sua intuição lhe disser algo de positivo, será para nós o fim.
LÚCIA:
-
Liza! Não provoque. Desculpe mamãe ela não quis dizer isto.
NORA:
-
A especialidade de sua irmã é me ofender. Um dia mocinha (para Liza) escuta que
estou lhe dizendo. Você vai me dar razão.
LIZA:
-
Praga mãe?
NORA:
-
Escuta que sua filha desnaturada, ou me respeita, ou eu acabo já com essa
brincadeira de casinha...
LÚCIA:
-
Gente, por favor!
NORA:
-
Exijo respeito! Esta é minha casa.
LIZA:
-
(tira o avental) Então fique com
ela! Pra mim basta.
NORA:
-
Ah, é?! E vai pra onde?
LIZA:
-
Rodar bolsinha! Concretizar sua profecia.
LÚCIA:
-
(pega o avental) Chega. Liza, não
seja infantil! Temos um compromisso e vamos agora até o final. Mamãe, por
favor! Só por hoje. Amanhã resolveremos todas nossas diferenças. Mas, hoje não.
Lhe peço.
NORA:
- Sabe que mas me dói? É olhar pra
vocês e não conseguir enxergar um futuro. É está aqui ao lado de vocês e me
sentir completamente só. É incrível! Parece que têm a necessidade de me
envergonharem. (sai)
LÚCIA:
-
Calma Liza!
LIZA:
-
Este jantar promete! Isto é só a entrada.
LÚCIA:
-
Temos que ser fortes. Esta é uma grande oportunidade. Me sinto como se tivesse
quebrado as algemas. Devo confessar, graças a você. Liza, você minha irmã, é
para mim um exemplo, de força e dignidade. É uma dessas mulheres que merecem ficar
na história. Agora deixa de bobagem e pare de chorar, estas lágrimas não
combinam contigo! (se abraçam)
LIZA:
-
Você é demais!
LÚCIA:
-
Não sei o que seria de mim sem você.
LIZA:
-
Conto contigo hoje.
LÚCIA:
-
Sempre! (campanhia)
LIZA:
-
Será o meu o homem o teu?
LÚCIA:
-
Que jeito de falar! Tomara que seja os dois. Atende.
LIZA:
-
Claro! (respira fundo)
DENIS:
-
Boa noite!
LIZA:
-
Boa! Como vai Denis? Entre.
DENIS:
-
Bem...
LÚCIA:
-
Paizinho!
DENIS:
-
Atrasado?
LÚCIA:
-
Não meu amor!
DENIS:
-
Trouxe isto.
LÚCIA:
-
Hum! Champanhe! Que chique!
DENIS:
-
Disse que seria uma noite especial!
LIZA:
-
E será.
DENIS:
-
Não me digam que dona Nora foi viajar...
NORA:
-
Para sua infelicidade, não.
DENIS:
-
Boa noite pra senhora também.
NORA:
-
Pelo jeito só está começando!
DENIS:
-
É, tenho que concordar!
LÚCIA:
-
Amor vem comigo quero lhe mostrar uma coisa...
DENIS:
-
Com sua licença... (Lúcia e Denis saem)
LIZA:
-
Mãe...
NORA:
-
Me poupe Liza. O estorvo do marido de sua irmã já está aqui, agora só falta o
seu namorado para completar o circo.
LIZA:
-
A felicidade Lúcia é que Denis a ama muito se não por sua causa já teria a
deixado.
NORA:
-
Não foi por minha causa que o seu lhe deixou. Ora esta Liza! Desde de quando
amor enche barriga? Ah, claro. Claro que enche, em outro sentido!
LIZA:
-
Que ironia barata!
NORA:
-
Não tenho visto outra coisa dentro desta casa, há não ser vulgaridades. Então,
resolvi modernizar meu vocabulário.
LIZA:
-
Espero que faça bom uso!
NORA:
-
Tenho uma noite inteira para exercitar! (vai
até a mesa. Olha o champanhe) Que palhaçada é essa? Daqui a pouco vão
transformar minha casa num cabaré! (ouve
a campanhia) Pode deixar. Eu atendo. (abre
a porta. Expressão de perplexidade) Pois não? Em que posso ajudá-lo?
KLEBER:
-
Boa noite! (estende a mão)
NORA:
-
(imóvel) Boa.
KLEBER:
-
(confuso) Liza?
NORA:
-
O que o senhor deseja com minha filha?
LIZA:
-
Kleber!
KLEBER:
-
Boa noite liza?! (a beija no rosto)
Desculpe-me o atraso...
LIZA:
-Não
precisa se desculpar! Estamos ansiosos. Bom, esta é minha mãe. Nora... Mãe,
este é...
NORA:
-
Já nos conhecemos.
LIZA:
-
Entre! Sinta-se à vontade.
KLEBER:
-
Obrigado!
LIZA:
-
Sente-se. (Kleber senta no sofá à
direita, nora senta em sua poltrona. Ambos estão em silêncio)
LIZA:
-
Vinho?
KLEBER:
-
Pode ser.
LIZA:
-
Mamãe?
NORA:
-
É cedo.
LIZA:
-
Já volto. (Nora e Kleber se entra olham
constrangidos. Entra Lúcia e Denis)
LÚCIA:
-
Chegou.
DENIS:
-
Este que...
LÚCIA:
-É.
DENIS:
-
Meu Deus! Não que eu seja racista. Mas é hoje que sua mãe vai ter um infarto.
LÚCIA:
-
Gostaria que você que já conhece bem o gênio de minha mãe, tente fazer com que
este rapaz se sinta no mínimo à vontade.
DENIS:
-
Fala sério! Ficar à vontade na presença de sua mãe, é um ato de heroísmo. Mas,
vou ver que posso fazer.
LIZA:
-
Ah, que bom que vocês chegaram...
DENIS:
-
Uma bebidinha bem gelada agora caíra bem!
LÚCIA:
-
Eu preparo pra você.
DENIS:
-
Ótimo!
LÚCIA:
-
(dá o braço a Denis que a conduz)
Kleber, querido! Este é meu cunhado, Denis!
KLEBER:
-
Como vai?
DENIS:
-
Bem! Embora a casa não seja minha, mas seja bem vindo! (Entra Lúcia) Esta é
minha esposa Lúcia.
LÚCIA:
-
Como vai?
KLEBER:
-
Encantado! (para Nora) É uma bela
família.
NORA:
-
Espero que continue assim. (todos ficam
sem graça)
LÚCIA:
-
Espero que não repare... Mamãe é muito brincalhona.
LIZA:
-
Principalmente em momentos impróprios!
LÚCIA:
-
Liza!
DENIS:
-
E como uma rosa. Bela! Mas cuidado. Tem espinhos!
NORA:
-
Humor negro!
LÚCIA:
-
Mamãe a senhora poderia me dá uma opinião?
NORA:
-
Que milagre é esse? Minhas opiniões sempre foram descartadas...
DENIS:
-
Por favor, não precisam fazer cerimônias quanto as palavras. Sou negro e não me
envergonho. Está minha natureza e não posso mudar.
NORA:
-
Seria ridículo. Não há como esconder suas origens.
KLEBER:
-
Assim como a senhora não pode esconder a sua.
NORA:
-
Ariana.
KLEBER:
-
No Brasil há uma grande mistura de raças. Não creio que haja arianos.
DENIS:
-
Não vejo diferença entre arianos ou não arianos, somos todos...
NORA:
-
Quer vê a diferença apaga a luz!
LIZA:
-
Chega mamãe, chega!
NORA:
-
Chega digo eu. Esta é minha casa e falo o que quero, quando quero, na hora que
bem desejar... Quem não estiver satisfeito que saia.
LÚCIA:
-
Gente calma! Sejamos civilizados.
NORA:
-
Civilizados?! Não me faça rir!
LÚCIA:
-
Acho melhor servir o jantar.
NORA:
-
Mas já? É tão cedo...
DENIS:
-
Estou com uma fome danada!
NORA:
-
No dia que você não estiver com fome...
LÚCIA:
-
Mamãe, por favor!
NORA:
-
(levanta-se) Ora essa, não sei que
pra que fazem tanta questão, que eu permaneça neste jantar, já que querem eu
fique calada e imóvel feito uma estátua.
DENIS:
-
Lúcia, pra mim chega! (se levanta)
LÚCIA:
-
Não Denis! por favor...
DENIS:
-
Estou cansado dos insultos de sua mãe e não vou ficar aqui para aturar suas
ofensas.
NORA:
-
Ainda está aqui! Pensei que depois daquele dia no qual saiu por aquela porta,
só voltaria aqui para buscar sua mulher.
DENIS:
-
Cheguei ao meu limite! Pra mim, chega.
LÚCIA:
-
(grita) Estou grávida! (silêncio)
DENIS:
-
Como é que é?
LÚCIA:
-
Grávida! Vamos ter um filho...
DENIS:
-
Deus! Que felicidade! Por que você...?
LIZA:
-
Queria lhe fazer uma surpresa.
LÚCIA:
-
Por isso o jantar.
DENIS:
-
Isso é maravilhoso! Que ótima notícia...
NORA:
-
Espero que consiga em nove meses o que não conseguiu em três anos de casamento.
(Denis olha para Nora como se fosse
avançar, Lúcia segura seu pulso)
KLEBER:
-
Parabéns! A vinda de uma criança é sempre uma festa!
NORA:
-
E o senhor, que faz da vida?
KLEBER:
-
Sou assessor...
NORA:
-
Deve ser cansativo ficar subindo e descendo o dia todo dentro de um desses
elevadores. Mas também tem que se dar graças à Deus, emprego está difícil,
ainda mais para pessoas...
LIZA:
-
Mãe!
KLEBER:
-
Negras.
NORA:
-
É. Negras! Não sei se ainda há certas restrições. houve um tempo que pessoas de
cor, tinham que subir em edifícios em elevadores de serviços.
KLEBER:
-
Outros tempos.
NORA:
-
Analisando o fato de pessoas de cor, estarem em elevadores sociais mesmo que
seja como ascensoristas...
KLEBER:
-
Kleber não é ascensorista de elevador!
NORA:
-
Não?
LIZA:
-
Não. É assessor do governador.
NORA:
-
Não diga!
KLEBER:
-
Pois é.
NORA:
-
Não sabia que essa história de cotas para negros havia chegado ao palácio do
governo.
KLEBER:
-Fui
nomeado ao cargo por mérito. Concorri igualmente a todos os candidatos. Talvez
meu currículo tenha ajudado. Sou graduado em jornalismo e comunicações sociais.
Apesar de não aparecer, sou poliglota e fiz MBA no exterior. Resumindo, a cor
da minha pele não me impede a ser tão capaz quanto qualquer outro homem!
NORA:
-
É, tenho que tirar o chapéu.! Pra um...
KLEBER:
-
Negro.
NORA:
-
Você é bem qualificado.
KLEBER:
-
O estudo é importante na vida de qualquer um ser humano, independe de sua
origem étnica ou social.
LIZA:
-
Acho melhor servimos o jantar!
NORA:
-
Só uma coisa me intriga sendo o senhor tão superior...
KLEBER:
-
Não disse isso.
NORA:
-
Mas com tanta formação...
KLEBER:
-
Sou apenas um homem apaixonado por meu trabalho; pela vida...
NORA:
-
Como conheceu Liza? São de mundos tão diferentes.
KLEBER:
-
Engano da senhora. Só uma quadra nos separa.
NORA:
-
São amigos de muito tempo?
KLEBER:
-
O suficiente para perceber a mulher maravilhosa que é sua filha.
NORA:
-
Liza, o rapaz com quem você esta... deixa eu ver como posso falar... Namorado?
Não vem?
LIZA:
-
Já está aqui mãe!
NORA:
-
Que brincadeira é está? Não vai me dizer que enfiou este tal no seu quarto!
LIZA:
-
Não mãe. Está aqui! (Vai até Kleber)
NORA:
-
Você está brincando!
KLEBER:
-
Não é brincadeira. Estou apaixonado por sua filha e acredito que este momento
seja oportuno para pedir a mão...
NORA:
-
O senhor quer mesmo minha filha? Quer? (brusca)
Então leve-a com o senhor e faça o favor de a leva-la para bem longe de mim...
O senhor ganha uma mulher e eu perco uma filha.
LIZA:
-
Queira a senhora ou não, me casarei com Kleber. Eu o amo!
NORA:
-
Se depende de meu consentimento, jamais permitiria que meu sangue se misture
com de um negro.
LÚCIA:
-
Mamãe, que coisa horrível!
NORA:
-
Se quiser casa. Mas esqueça que tem uma mãe.
LÚCIA:
-
Pelo amor de Deus! Pare com isso!
DENIS:
-
Calma, amor, calma!
NORA:
-
Acho que vai levar uma vida normal? A única coisa que terás como fruto dessa
insanidade na qual chama de amor, será um bando de mulatinhos rejeitados pela
sociedade.
KLEBER:
-
Pra mim chega. Em respeito aos demais, prefiro sair desta sala antes que cometa
um transtorno para toda família...
NORA:
-
Transtorno é sua presença em minha casa!
KLEBER:
-
Racismo é crime! Posso acionar a polícia...
LIZA:
-
Espera Kleber. Perdoe-a! Não sabe o que diz. Vou contigo! (para Nora) Que sejam
mulatinhos, rejeitados por pessoas pequenas e mesquinhas como a senhora. Por
mim serão amados, saberão que tem uma mãe que os amarão como ninguém. Amor esse
que a senhora nunca soube dar nem receber. (abraça Lúcia)
LÚCIA:
-
Vá com Deus minha irmã!
DENIS:
-
Desculpe! Sinto muito!
KLEBER:
-
Não se preocupe. Boa noite!
DENIS:
-
É, vou precisar... (Liza e Kleber saem)
Acho melhor ir.
LÚCIA:
-
Me liga amanhã amor?
DENIS:
-
Claro. Fique tranqüila. vamos resolver nossa situação.
LÚCIA:
-
Sei que sim. confio em você. (ele a
beija e sai)
NORA:
-
Este jantar sai ou não sai?
LÚCIA:
-
Perdi a fome. (sai)
NORA:
-
Pois eu estou faminta! (senta-se a mesa
como com prazer. a luz vai baixando até sumir)
CENA V
NORA:
- Não vai dizer nada?
LÚCIA:
- Não há o que dizer!
NORA:
- É... Não há. Mesmo por que é
lamentável saber que minhas duas filhas, se empenham em me dar desgostos.
LÚCIA:
- A senhora não tinha o direito de
agir daquela forma...
NORA:
-Você que não tem o direito de me
dizer como agir dentro de minha própria casa.
LÚCIA:
- A senhora se orgulha tanto desta
casa. É a única coisa que a senhora parece amar nesta vida...
NORA:
- E é a única coisa que não me
decepciona.
LÚCIA:
- Será que não percebe que
pouco-a-pouco está nos afastando da senhora mamãe!
NORA:
- Se afastaram de mim a partir do
momento que decidiram me desobedecer.
LÚCIA:
- Somos adultos e temos o direito de escolher
os nossos próprios caminhos...
NORA:
-Também tem o dever de arcar com as
consequências de suas escolhas.
LÚCIA:
- Estou indo embora.
NORA:
-Faça-me rir!
LÚCIA:
- Fique à vontade.
NORA:
- E pra onde vai?
LÚCIA:
-Não sei ainda...
NORA:
- Pra debaixo da ponte?
LÚCIA:
- Se preciso for, irei.
NORA:
- É tudo muito lindo! Mas e essa
criança, por acaso pensou nela?
LÚCIA:
- É meu dever. Não se preocupe
mamãe...
NORA:
- Não seja imatura.
LÚCIA:
- Não serei.
NORA:
- O irresponsável do teu marido...
LÚCIA:
- Chega mamãe! Não precisa mais se
preocupar. É hora de seguir meu caminho.
NORA:
-Quando estiver longe, vai lembrar de
mim!
LÚCIA:
- Lamentarei muito sua solidão!
NORA:
- Melhor a solidão que a má Campânia.
LÚCIA:
- Será que não percebe que é sozinha
que ficará sozinha se continuar agindo assim?
NORA:
- Ficarei bem.
LÚCIA:
- Por que tanto ódio? de onde vem
tanto rancor?
NORA:
- Dos desgostos que você me dão...
LÚCIA:
- Apesar de tudo você é minha mãe e
eu sempre irei lhe amar. (fixa a mãe
pega a mala) Adeus! (sai. Nora a
observa silenciosamente)
CENA VI
LIZA:
-Oi?
NORA:
- A que veio?
LIZA:
-Posso entrar? (Nora não responde) Sinto muito que as coisas tenham chegado a este
ponto...
NORA:
- Se sentisse realmente, teria
evitado.
LIZA:
-Eu o amo.
NORA:
-Você o ama? Hora, não seja tola! É ridículo.
Filha, é um negro.
LIZA:
- Um homem! Homem como todos os
outros. A única diferença é que este é o homem a qual amo.
NORA:
-Um negro em nossa família! Só que me
faltava a esta altura da vida... Em nossa família pessoas de cor só serviram
pra serviçais!
LIZA:
- Agora mudou.
NORA:
-Nunca mudará. Negro sempre negro!
LIZA:
- É hora de mudar a história desta
família! Não me importa seu pré-conceito. Vou me casar com Kleber.
NORA:
- Casa-se com ele e esqueça que tem
uma mãe.
LIZA:
-Vim até aqui pra lhe convidar...
NORA:
-Não seja ridícula. Não vou
participar deste circo de horrores! Prefiro a morte ao ver uma filha minha
casada com um crioulo.
LIZA:
- Espero que não morra! Sei que um
dia, por mais distante que esteja, vai se arrepender do que está dizendo.
Desejo bastante saúde para que de pé mãe possa compartilhar de minha
felicidade.
NORA:
-Deus não seria tão cruel!
LIZA:
- Kleber fará parte desta família,
queira a senhora ou não!
NORA:
- Jamais este homem fará parte da
minha família. Nunca permitirei que o sangre de um negro se misture com a da
minha família!
LIZA:
-Sinto muito! não tem esse poder. Me
casarei com este homem, negro, lindo, gentil, inteligente e digno de qualquer
família. Vou dar a ele quantos filhos Deus nos permitir.
NORA:
- Se casar com ele esqueça esta casa.
Esqueça que tem uma mãe, pra mim você morrerá!
LIZA:
- Não posso crer que...
NORA:
- E não derramarei uma só lágrima.
LIZA:
- É... não tenho mais o que fazer
aqui. Tentativa em vão! Adeus mãe! Se mudar de idéia... (vira-se para sair)
NORA:
-Espere. (Liza para) Preferia que você fosse uma prostituta. Pra mim seria
menos vergonhoso! (Liza não responde.
sai)
CENA VII
LÚCIA:
-Vamos paizinho! Vem logo, vamos nos atrasar!
DENIS:
-Isto nem pensar!
LÚCIA:
-Pelo jeito você está mais vaidoso
que os noivos!
DENIS:
- Somos padrinhos. Temos que está bem
apresentável!
LÚCIA:
- Já não sei o que fazer, por mais
que aperte aqui, folgue ali, estou cada dia mais redonda!
DENIS:
- É a redonda mais linda que já vi em
toda minha vida.
LÚCIA:
-Diz isto pra me agradar! Pensa que
não sei? Estou um botijão.
DENIS:
-Impressão sua! Está linda e eu a
amo.
LÚCIA:
- Deixa eu te ajudar.
DENIS:
- Odeio dar nó em gravata!
LÚCIA:
- Já te expliquei tantas vezes! É tão
simples.
DENIS:
- Que mãozinhas mais hábeis!
LÚCIA:
- Bobo!
DENIS:
-Ficou
vermelha, é isto que gosto em você. Apesar do tempo em que estamos juntos, você
ainda continua corando com minhas brincadeiras!
LÚCIA:
- Só isso amor?
DENIS:
- E outras coisinhas a mais.
LÚCIA:
-Para Denis!
DENIS:
- Sempre soube que você é a mulher da
minha vida.
LÚCIA:
- E você o homem da minha vida. (Se beijam) Vamos nos amassar!
DENIS:
- Qual o problema?
LÚCIA:
-O problema é que os padrinhos têm
que está implacável!
DENIS:
-Será que sua mãe aparecerá na
cerimônia?
LÚCIA:
- Acho difícil!
DENIS:
- Seria esperar demais! Talvez melhor
assim...
LÚCIA:
- Melhor que um escândalo.
DENIS:
- Concordo!
LÚCIA:
- Chega de falar de minha mãe.
DENIS:
- Aposto que espera até hoje que você
volte correndo para a casa dela...
LÚCIA:
-Talvez! Mas, estamos ótimos e assim
vamos continuar para decepção dela.
DENIS:
- O importante é que estamos juntos.
LÚCIA:
-É! E logo seremos três.
DENIS:
- Eu você o garotão.
LÚCIA:
- Garotinha!
DENIS:
- Garotão!
LÚCIA:
- Veremos!
DENIS:
- É, veremos!
LÚCIA:
- Agora vamos...
DENIS:
- Mais um beijo. (O beija) Hum! Gostoso!
LÚCIA:
- Agora chega! Vamos nos atrasar. (Saem)
CENA VIII
MARGARIDA:
-Você esta linda!
LIZA:
- Gentileza sua.
MARGARIDA:
-Você é a nova mais linda que já
vi...
LIZA:
-E a mais nervosa!
MARGARIDA:
-E qual não se sente nervosa num dia
tão especial?
LIZA:
-É meu segundo casamento, mas acho
que estou mais nervosa que no primeiro. Mesmo tendo consciência que será uma
cerimônia simples, no civil, para mim é como se fosse um mega evento. Estou uma
pilha!
MARGARIDA:
- Pois trate de se acalmar! Está
linda.
LIZA:
- Será que ele vai esta lá?
MARGARIDA:
-E por que não estaria?
LIZA:
- Não sei. É medo. Insegurança minha!
MARGARIDA:
- Meu filho te ama muito minha
querida! E jamais deixaria de está lá a tua espera.
LIZA:
- Obrigada dona Margarida! Muito obrigada
por me receber em sua família...
MARGARIDA:
-Não é preciso agradecer. A escolha
não foi minha, nem sua. O amor nos escolheu!
LIZA:
- Desejo tanto que um dia minha mãe
demonstrasse esta ternura que consigo identificar em seu olhar.
MARGARIDA:
- Ela tem. Só não sabe. O que temos
que fazer é rezar, pedir a Deus por ela. Tenho certeza que a vida não deve ter
sido fácil pra sua mãe.
LIZA:
- Não é fácil pra muita gente e nem
por isso as pessoas saem ferindo os sentimentos dos outros.
MARGARIDA:
-
Não olhe por esse angulo! Que sua mãe reflete tem muito a ver com a educação
que ela deve ter recebido, o meio no qual vivemos tem muito a ver com a
formação de nossa personalidade. Não quero dizer que não se pode mudar. Mas
acredite querida, é um trabalho longo e doloroso deixar de acreditar no que
aprendemos como correto, derrubando cresças e mitos, não é fácil. Se
conseguimos, não devemos julgar, apenas rezar e pedir a Deus esclarecimentos!
LIZA:
-Tem razão! Hoje é um dia muito
especial...
MARGARIDA:
-É, isso aí!
LIZA:
-Não vamos mais pensar nisso. Vamos
correndo para o cartório antes que eu tenha um piripaque!
LÚCIA:
- (entra abatida)
LIZA:
-Que foi Lúcia?
LÚCIA:
-Mamãe!
LIZA:
- O que há com nossa mãe?
LÚCIA:
- Foi hospitalizada...
MARGARIDA:
-Oh, Deus!
LIZA:
- Que aconteceu?
LÚCIA:
- Me ligaram. Pensei até que fosse
você. Já estava saindo, quando...
LIZA:
- Calma! Onde ela está?
LÚCIA:
- Teve uma parada...
LIZA: -
Meu Deus! Como ela está?
LÚCIA:
- Não sei bem. Só sei que tem que
passar por uma cirurgia...
LIZA:
- Deus!
MARGARIDA:
- Filha vai ao hospital com sua irmã.
Eu aviso ao Kleber.
LIZA:
-Mas...
MARGARIDA:
-Vai ficar tudo bem. Vá com ela...
LIZA:
- Peça para o Kleber ir...
MARGARIDA:
- Claro! Eu irei com ele.
LÚCIA:
-E tu casamento?
LIZA:
-É minha mãe. Kleber entenderá.
MARGARIDA:
-Claro que entenderá. Agora vá filha,
vá vê como está sua mãe.
LIZA:
-Tem razão. Vamos Lúcia!
MARGARIDA:
-Vão com Deus!
CENA IX
(Em outro
plano, Denis está sentado de cabeça baixa).
LÚCIA:
- Paizinho, como ela está?
LIZA:
- O caso é grave.
DENIS:
- Já foi operada?
LÚCIA:
- Ainda não.
LIZA:
- O que estão esperando?
DENIS:
- O banco de sangue do hospital esta sem
reservas...
LÚCIA:
- Podemos doar sangue.
LIZA:
- É claro!
DENIS:
- O tipo de sangue dela é muito raro.
Meu sangue não é compatível.
LÚCIA:
- Meu Deus!
LIZA:
- O nosso! Somos filhas.
DENIS:
- Podemos falar com o médico. (Denis sai acompanhado com Liza. Entra
Kleber e Margarida).
KLEBER:
- Lúcia?! Como está?
LÚCIA:
- Estão correndo contra o tempo.
KLEBER:
- E Liza?
LÚCIA:
-Foi conversar com o médico. Mamãe
precisa de doação de sangue. Mas pelo que me parece seu tipo sanguíneo não é
muito comum.
KLEBER:
-Qual é o tipo de sanguíneo dela?
LÚCIA:
- Não sei.
MARGARIDA:
-Calma filho! Vamos espera. (Entra Liza)
LIZA:
-Amor! (Chorando)
Meu tipo não é compatível
DENIS:
-É preciso que a cirurgia seja feita
com urgência. O hospital não tem disponível o tipo de sangue que precisa. Agora
vamos fazer teste em Lúcia e torcer...
KLEBER:
-Também posso doar.
MARGARIDA:
-Se o meu for...
LÚCIA:
- Nem sei como lhes agradecer.
KLEBER:
-Então vamos...
LÚCIA:
-Vamos.
KLEBER:
- Onde está o médico?
LIZA:
- Ali dentro. Obrigada!
KLEBER:
-Tudo vai ficar bem! Fique aqui com minha mãe
e tua irmã. Já volto. (Sai Kleber e
Denis)
MARGARIDA:
- Fiquem calmas! Confiem em Deus! (Luzes apagam-se)
CENA X
(Pouco a pouco a luz vai surgindo. Nora
esta deitada numa cama de hospital ao seu lado Margarida, sentada em uma
cadeira)
NORA:
-Quem é a senhora?
MARGARIDA:
-Uma amiga.
NORA:
-Não a conheço.
MARGARIDA:
-Mas já ouvi tanto falar da senhora
que a conheço. Dona Nora!
NORA:
- Como sabe meu nome? Onde estou?
MARGARIDA:
- Num hospital.
NORA:
- Que houve?
MARGARIDA:
- Muito ódio acumulado neste
coração...
NORA:
- Infarto?
MARGARIDA:
- Já passou. Todos ficamos
preocupados!
NORA:
-Minhas filhas?
MARGARIDA:
- Lhe amam mais que a senhora possa
imaginar.
NORA:
-Onde estão?
MARGARIDA:
-Aí fora. Quer que as chamem?
NORA:
- Por favor...
MARGARIDA:
- Ah, sou Margarida! Mãe de Kleber.
Noivo de sua filha. (sai)
LÚCIA:
- Mãezinha!
NORA:
- Quase se livraram de mim!
LIZA:
- Ou seria o contrário?
LÚCIA:
- Que susto!
LIZA:
- É... Um baita susto!
NORA:
- Ah! (Sente-se mal)
LÚCIA:
- Mãe?
NORA:
- Estou bem. Só com um pouco de dor!
LIZA:
- Lúcia, você poderia sair um pouco?
LÚCIA:
- Liza, não acho que este seja o
momento...
NORA:
- Por favor!
LÚCIA:
-Mamãe, estou ai fora. Te amo mãe.
NORA:
-Eu sei filha.
LÚCIA:
-Então diz que me ama...
NORA:
-Você sabe que sim.
LÚCIA:
-Mas gostaria de ouvir!
NORA:
- Sinto que falhei como mãe... Mas
nunca, mesmo me sentindo decepcionada por vocês, nunca deixei de amar vocês. (Lúcia a abraça. Saí)
LIZA:
- Todos estão ai fora...
NORA:
-Todos quem?
LIZA:
- Todos que torceram por sua recuperação.
NORA:
- Quem são?
LIZA:
- Denis, seu genro. Kleber, seu
futuro genro...
NORA:
- Futuro?
LIZA:
-É. Devido ao que aconteceu, tivemos
que adiar...
NORA:
- Sinto muito.
LIZA:
- Ironia do destino.
NORA:
-Como é o destino, não? É mesmo
incrível! Se tivesse planejado, não teria dado tão certo!
LIZA:
- Preciso lhe contar algo mãe.
NORA:
- Por sua cara, é algo muito ruim...
LIZA:
- Depende do ponto de vista.
NORA:
- Então diga. Posso esta nessa cama,
mas não tão indefesa que não possa suportar ha mais um golpe!
LIZA:
- A senhora teve que ser operada as
pressas...
NORA:
- Disso já sei.
LIZA:
- Para que fosse operada, foi preciso
uma transfusão de sangue. Seu sangue não tão comum...
NORA:
- Sangue ruim!
LIZA:
- O hospital não se dispunha de
sangue em seu estoque, todos nós fizemos teste: Lúcia, Denis, eu, Margarida e
Kleber. E o único compatível foi o do Kleber.
NORA:
- E ele aceitou, mesmo depois de
tudo?
LIZA:
- Kleber não guarda rancor mãe. De
certa forma já se acostumou com o pré-conceito.
NORA:
- Eu o abominava tanto e agora tenho
o sangre de um negro correndo em minhas veias!
LIZA:
-É.
NORA:
-Que peça a vida me pegou!
LIZA:
-
Não acha que é hora de deixar as mágoas, os pré-conceitos no passado? Tem uma
nova chance! A pessoa que Deus colocou em seu caminho, responsável por esta
viva, esta aí fora. Não acha que deve-lhe agradecimento? Está pode ser uma
chance única.
NORA:
- Por que, vou morrer? Peça pra ele
que entre. (Liza vai chamar)
LIZA:
- Tem certeza?
NORA:
- Tenho. (Liza sai. Uma lágrima cai
dos olhos de Nora)
KLEBER:
- Com licença!
NORA:
-Entre.
KLEBER:
- Como esta?
NORA:
-Acho que bem. (Silêncio) Foi você que salvou a minha vida.
KLEBER:
-Não senhora. Foi Deus!
NORA:
-Fui tão injusta com você, e você tão
generoso comigo...
KLEBER:
-Faria isso por qualquer pessoa que
precisasse.
NORA:
-Você é um anjo.
KLEBER:
-Um anjo negro!
NORA:
- Me sinto envergonhada.
KLEBER:
-
Não se envergonhe. Deus lhe deu outra chance. Aproveite! Esqueça o que passou,
suas filhas lhe amam. Que resta agora é construir uma nova história. (Ele se levanta) Me ato comprova que sou
gente de carne e osso, assim como a senhora. O que nos diferencia é o tom de
nossas peles, e só. Mas somos pessoas, criadas pelo mesmo ser sublime, que lhe
criou.
NORA:
- Kleber... (Ele se vira) Seja bem vindo à família!
KLEBER:
- Obrigado! Farei o possível para fazer de sua
filha a mulher mais feliz do mundo.
NORA:
- Creio que sim. (Ele sai, e Nora não contem as lágrimas de
resignação).
F I M
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