quarta-feira, 22 de junho de 2016

SINHÁ ANINHA - ATO I

PERSONAGENS:

ANINHA
CEL SALES (Pai de Aninha)
ALVA (Mãe de Aninha)
BINÁ (Ama de Leite)
SEVERINA (Escrava Invejosa)
BERNADETE (Dama de Compania)
ZULÚ (Escravo Apaixonado Poe Aninha)
DR. RAMOS (Pretendente de Aninha)
CLOVIS (Pai de Ramos)
ALBERTINA (Mãe de Ramos)
QUILÊ (Escravo de Ramos) jose
PADRE SOARES
COISA RUIM (Capitão do Mato)

ATO I
CENA I

(Entra vários escravos cruzando o palco em várias situações que remete ao trabalho do cotidiano escravo)

ANINHA:

- Acho conveniente que paramos um pouco... Sinto que meu coração em saltos.

BERNADETE:

- Que é conveniente, é que vortamo pra casa grande antes que vosso pai dê por nossa falta.

ANINHA:

- Deixa de teu agoro Dete! Papai não tem desconfiar de nada. A menos que você dê com a língua nos dentes.

BERNADETE:

- Deus que livre e guarde! Tenho amor a minha vida. Se bem que seio, que se, vosso pai descobre esses seus desvaneios, quem vai pagar sou eu. O tronco é o menor castigo que receberei por lhe acobertar.

ANINHA:

- Que exagero, Dete! Não atormentes vossa alma, tranquilize vosso coração... Papai não há de saber. Também, não fiz nada, fiz?

BERNADETE:

- É mió parar com esses encontros as escondidas enquanto ainda há tempo.

ANINHA:

- Não seja tola.

BERNADETE:

- Sinhaninha num acha que isso tá ficano sério demais?

ANINHA:

- E quem disse que o que sinto por Zulu, não é sério?!

BERNADETE:

- Que futuro pode ter Sinhaninha ao lado de um negro, escravo?

ANINHA:

- Pra mim, Zulu é apenas um homem, como todos os outros. E que eu o amo.





BERNADETE:

- Mas é um escravo. E nada tem pra lhe oferecer.

ANINHA:

- Quem disse? O amor, não conta?

BERNADETE:

- Não vê que isto é uma grande loucura? Jamais esta sociedade irá consentir que uma branca se case com um negro escravo, ainda mais se tratando da sinhaninha.

ANINHA:

- Chega Bernadete. Não desejo zangar-me com você. Agora vamos... Falta pouco. (Saem)

CENA II

QUILÊ:

- De casa... De casa... De casa...

SEVERINA:

- Etá! Que fundunço é esse logo cedo na porta do zotro?

QUILÊ:

- Bons dias!

SEVERINA:

- Só se for pra vossuncê. Pra eu o dia é igualzinho os zotro. Que vosmicê que?




QUILÊ:

- Vim aqui mode um recado que tenho do meu sinhô pro coroné.

SEVERINA:

- E que recado é esse?

QUILÊ:

- Vossuncê é mermo muito encherida. O recado é pro tu sinhô, não pra vosmicê.

SEVERINA:

- Vossuncê é mermo muito mal educado!

QUILÊ:

- O recado é pro coroné, não é pra quarquer um.

SEVERINA:

- Desde quando eu sou quarquer um? Poi fique o moço sabeno que sou uma criada de confiança aqui na casa.

QUILÊ:

- É mermo?

SEVERINA:

- É.

QUILÊ:

- E o que faz uma criada de confiança vestida assim? Em trapos.




SEVERINA:

- Vossuncê é um grosseirão.

QUILÊ:

- E Vossuncê uma intrometida. Agora deixa de conversa e vai logo chamá teu sinhô que eu num tenho o dia todo não. (Ela sai) Só o que me fartava!

BINÁ:

- Quilê!

QUILÊ:

- Mãe Biná! Sua bença.

BINÁ:

- Que Deus o abençoe, meu filho. O que faz por aqui?

QUILÊ:

- Vim trazer um recado do meu sinhô para o coroné.

BINÁ:

- Meu sinhô num ta não. Mas minha senhora está. Serve ela?

QUILÊ:

- Acredito que sim.

BINÁ:

- Então espere aqui. (Olha para Severina) E vossuncê... Vá pegar um ponche pra o nego Quilê.



SEVERINA:

- Só que me fartava, selvir escravo. (Ela sai resmungando)

BINÁ:

- Mai é muito atrevida essa negrinha. (Sai)

QUILÊ:

- Então é aqui que mora Sinhaninha!

SEVERINA:

- (Disfarça e cospe dentro do copo) Seu ponche senhor... Da mió qualidade! Espero que goste. Foi preparado com todo carinho. Inté mais vê. (Sai)

ALVA:

- Bons dias!

QUILÊ:

- Bons dias senhora.

ALVA:

- O que o trás aqui?

QUILÊ:

- Tenho um recado do meu sinhô pra o coroné.

ALVA:

- Infelizmente Salles não se encontra na fazenda. É algo que eu possa ajudar?



QUILÊ:

- Sim senhora, acredito que sim. É que meu sinhô pediu para avisar, ao sinhô seu marido, que o meu sinhô virar esta noite em sua casa para tratar de um assunto do interesse de seu marido.

ALVA:

- Tudo bem. Pode deixar, que assim que Salles retornar a fazenda darei o recado do seu senhor.

QUILÊ:

- Muito agradecido senhora. Com sua licença...

ALVA:

- Fique a vontade.

QUILÊ:

- Mãe Biná... Mais uma vez, sua benção.

BINÁ:

- Vá com Deus meu filho. (Ele sai)

ALVA:

- Ah, Biná! Será que é o que estou imaginando.

BINÁ:

- Já era de se esperar sinhá.

ALVA:

- Então... Prepare o melhor banquete possível para esta noite. Não podemos decepcionar em hipótese alguma.

BINÁ:

- Sim sinha. A sinhá pode deixar... Cuidarei de tudo pessoalmente.

ALVA:

- E Aninha?

BINÁ:

- Deve está vortando do passeio...

ALVA:

- Já pedi pra Aninha diminuir a frequência desses passeios. É perigoso. Só ela e Bernadete. Me preocupa!

BINÁ:

- Mas ta tudo bem. Notícia ruim corre rápido! (Saem)

SEVERINA:

- Tomara que dê tudo errado!

CENA III

ANINHA:

- Ah! Chagamos.

BERNADETE:

- Ainda acho mió vorta pra fazenda.

ANINHA:

- Deixa de ser pessimista Dete. Aqui estamos segura. Conheço bem essa região.

BERNADETE:

- Com Coisa Ruim rondando esse mundão de meu Deus, ninguém está seguro.

ANINHA:

- Logo Zulu chegará.

BERNADETE:

- Esse é meu temor.

ANINHA:

- Se continuar, assim, resmungando... Da próxima vez, virei só.

BERNADETE:

- E o que dirá a vossos pais?

ANINHA:

- Que queria vê as rosas.

BERNADETE:

- Uma jovem branca se encontrando a escondida com um negro. Nunca que isso dará certo.

ZULU:

- Sinhaninha...

ANINHA:

- Apenas Aninha, Zulu.

ZULU:

- É a força do hábito.

ANINHA:

- Que bom que veio.

ZULU:

- Não a deixaria esperano por nada nesse mundo.

BERNADETE:

- Vossuncê devia ara ter mais juízo. Assim pouparia a sua vida e a minha.

ANINHA:

- Bernadete!

BERNADETE:

- Perdão Sinhaninha, não dá pra ficar olhando essa loucura e ficar calada.

ANINHA:

- Se você que é negra, escrava, se incomoda em nos ver juntos... Isso comprova que o preconceito vai muito além dos brancos.

BERNADETE:

- É que eu quero muito bem a vossuncês. Não desejo que nada de ruim aconteça. A Sinhaninha bem sabe o que irá acontecer se esse romance entre a filha do coroné com um escravo for descoberto. Zulu será um homem morto. E quanto a mim? Só Deus terá piedade.

ZULU:

- Amo Aninha e não tenho medo do que possa acontecer. Pelo amor de Aninha sou capaz inté de morrer.
ANINHA: - Por favor, meu querido... Não diga uma coisa dessa. Ninguém vai morrer. Lhe perder, como eu perdesse a minha própria razão de viver.

ZULU:

- Amo você minha branquinha!

ANINHA:

- E eu a você meu nego!

ZULU:

- Me dá honra de um passeio?

BERNADETE:

- Podem ser vistos!

ANINHA:

- Claro!

BERNADETE:

- Ah, céus! Oh, vida cruel!

ANINHA:

- Já volto Dete.

BERNADETE:

- Vê se não demora. Logo vai escurecer. (Eles saem) Fazê o que? Só me resta esperar. Preciso de uma sombra. (Sai)

CENA IV




CLÓVIS:

- Quilê...

QUILÊ:

- Meu sinhô.

CLÓVIS:

- E então?

QUILÊ:

- Seu recado foi passado. O Coroné Salles num tava não. Mas dei o recado a sua senhora, dona Alva.

CLÓVIS:

- Que boa notícia! Pode ir.

RAMOS:

- E que recado é esse meu pai?

CLÓVIS:

- Meu filho... Em breve seu noivado com Sinhá Aninha será oficializado.

RAMOS:

- Só espero que Sinhaninha faça bom gosto neste noivado.

CLÓVIS:

- E como não há de gostar? És um belo homem, bem apanhado, educado formado na melhor universidade da Europa, rico, melhor partido não há.

RAMOS:

- Falo de amor meu pai.

CLÓVIS:

- Amor vem com o tempo. Ou pensa que eu e sua mãe já nos conhecíamos antes de nos casar... Só conheci sua mãe no dia do nosso casamento. Claro que foi embaraçoso. Precisava vê a cara de assustada da tua mãe. Mas depois com o passar dos anos fomos nos conhecendo e... Ai sim veio o amor. E posso lhe garantir meu filho, hoje, nesta província, não há casal mais feliz que nós.

RAMOS:

- A última vez que vi Aninha, ainda era uma menina, devia ter lá os seus sete pra oito anos de idade.

CLÓVIS:

- Não imaginas a moça linda que se tornou.

RAMOS:

- Tenho medo que não goste de mim.

CLÓVIS:

- O coronel Salles deu sua palavra, e isto já é o suficiente. Além do mais a união entre vocês será muito bom os negócios de ambas famílias. Além do mais es um Brandão e os Brandão nunca foram rejeitados por uma mulher.

RAMOS:

- Espero dar seguimento a tradição.




CLÓVIS:

- És um bom homem. E isto a jovem Aninha irá perceber de imediato. E agora meu filho... Vamos comemorar. Albertina...

ALBERTINA:

- Sim senhor meu marido.

CLÓVIS:

- Traga o nosso melhor licor. Precisamos comemorar

ALBERTINA:

- E o que vamos comemorar?

CLÓVIS:

- O noivado do nosso amado filho.

ALBERTINA:

- Noivado?

CLÓVIS:

- Com a jovem Aninha, filha de Salles e Alva.

ALBERTINA:

- Isso muito me alegra! Parabéns filho. Não poderia ter feito melhor escolha.

RAMOS:

- Obrigado, minha mãe. Agora só me resta saber se Aninha está de comum acordo.



ALBERTINA:

- E por que não haveria de está? És o melhor partido desta província. E moça alguma em idade de casar pensaria em recusar um pedido seu.

CLÓVIS:

- Ouviu, filho? As opiniões são unânimes!

RAMOS:

- Sendo assim... Só nos resta comemorar!

CENA V

BINÁ:

- Por Deus! Por onde andará essas desmioladas? Já tá quase na hora da ceia.

ANINHA:

- Chegamos!

BERNADETE:

- Ainda bem.

ANINHA:

- Disse-lhe que não havia com que se preocupar.

BERNADETE:

- Diz isso por que não teu coro que será arrancado num tronco.

ANINHA:

- Você é muito exagerada.

BINÁ:

- Que pensam que estão fazendo? Isto é lá hora de chegar? Vossa mãe já pergunto pro vossuncê...

BERNADETE:

- Estou com os nervos a flor da pele.

BINÁ:

- Isto é lá hora de duas moças andarem por aí? É bom que vosso pai num fique sabeno disso.

BERNADETE:

- Bem avisei a Sinhaninha... Mas não me deu ouvidos.

BINÁ:

- Com você depois converso. Quanto a você mocinha, trate de tomar um belo banho...

ANINHA:

- Que cara é essa Biná? Aconteceu algo enquanto estivemos fora?

BINÁ:

- Não tenho autorização pra falá. Ordens de vossa mãe. Agora vá... Tome seu banho.

ANINHA:

- Vai me deixar assim, curiosa?




BINÁ:

- Que posso fazer menina? Sigo ordens... Agora vá e não pergunte mais nada.

ANINHA:

- Ih, já não estou gostando nada disso. Biná... Se me contar, posso fingir que não estou sabendo de nada.

BINÁ:

- Não deveria. Não foi isso que vossa mãe lhe ensinou. Agora vá, e não insista. Não direi.

ANINHA:

- Acho que estás ficando velha e ranzinza!

BINÁ:

- E mais obediente que nunca! Agora vá.

ANINHA:

- Está bem! Já entendi...
BINÁ: - Aninha... Sei bem que estás aprontando alguma...

ANINHA:

- O que sabes?

BINÁ:

- Ora menina... Não nasci ontem.

ANINHA:

- Não sei o que dizes.

BINÁ:

- Pois eu sei. E como sei.

ANINHA:

- Estás variando!

BINÁ:

- Cuide de tomar seu banho e colocar seu melhor vestido. (Sai)

ANINHA:

- Abriste tua boca.

BERNADETE:

- Eu? Não. Juro que não.

ANINHA:

- Espero que não. Não te esqueças que és minha dama de compania e devo confiar em você e você me deve lealdade.

BERNADETE:

- Por tudo que é mais sagrado... Não disse. Além do mais meu pescoço também está em risco.

ALVA:

- Onde estavam? Já é tarde e deve se aprontar.

BINÁ:

- Vamos Bernadete. (Saem)
ANINHA: - Senhora minha mãe, da pra me dizer o que está acontecendo aqui?


ALVA:

- Temos um jantar muito importante hoje...

ANINHA:

- Jantar?

ALVA:

- É, minha filha. O Cel Brandão e sua família virão hoje jantar conosco.

ANINHA:

- E qual o motivo desse jantar tão especial?

ALVA:

- Deixa de fazer tantas perguntas e vá se preparar... Já não lhe disse pra ter cuidado com o sol? Os homens minha filha não gostam de mulheres com a pele queimada. Preferem peles alvas, delicadas. Agora vá... Se apronte... E não demore. Jovens! (Saem)
                       
CENA VI

BERNADETE:

- Que acontece nessa casa mãe Biná?

BINÁ:

- Que acontece nessa casa eu sei, mas o que me preocupa é o que acontece fora desta casa.

BERNADETE:

- Por que está dizeno isso?

BINÁ:

- Que os orixás guiem vossuncê e essa menina, pelo que estão fazeno, ou pensano em fazê. Espero que Aninha se case o quanto antes... Que to veno a hora é uma desgraça.

BERNADETE:

- Casá?

BINÁ:

- É casá. Hoje o coroné Brandão vem em nome de seu filho o Dr. Ramos, pedir a mão de Aninha em casamento.

BERNADETE:

- Será que Sinhaninha vai aceitá?

BINÁ:

- E por que num haveria de aceitá?

BERNADETE: - Sei lá...

BINÁ:

- Menina, menina! Isso seria uma afronta para a família do jovem doutor. Além do mais, Aninha está prometida a Sr. Ramos desde que era uma menina.

BERNADETE:

- É tão cruel esta forma de se escolher um noivo.

BINÁ:

- Desde que o mundo é mundo é assim que é...

BERNADETE:

- Por que?

BINÁ:

- Por que é assim.

BERNADETE:

- Não se passa na cabeças dos pais que eles podem não se gostarem?

BINÁ:

- Vossuncê tem muito que aprender Bernadete. Agora deixa de conversa e me ajude a prepará a mesa.

BERNADETE:

- Nós escravos que somos felizes. Ao menos podemos escolher o nosso marido.

BINÁ:

- Num seja tola. Somos propriedade dos brancos. Vendidos e separados das pessoas que amamos. Nos tiram tudo. Marido, mãe, pai e inté filhos.

BERNADETE:

- Foi assim com vossuncê?

BINÁ:

- Tenho mais o que fazê que ficá aqui de conversa fiada.





SEVERINA:

- Oia! Se não a Bernadete, a ilustríssima dama de companhia.
BERNADETE:

- Poi pode oiá... E oiê bem, morrar de inveja.

SEVERINA:

- Inveja? Eu? (Rir) Só que me fartava. Tê inveja de uma escravinha ralé, mentida a besta. Acha que só por que ta com essa roupa de branca é mio que eu?
BERNADETE: - Posso num sê mio. Mais sei que daria tudo pra ta no meu lugar.

SEVERINA:

- Aproveita bem neguinha... Isso num durará muito tempo.

BERNADETE:

- Que vossuncê ta quereno dizê?

SEVERINA:

- Eu? Nada.

BINÁ:

- Agora parem já com isso vocês duas. Preciso de ajuda. E você Severina... Já que num tem o que fazê, cai fora da minha cozinha.

SEVERINA:

- Tô de oio em você Detinha!

BERNADETE:

- Cobra!

BINÁ:

- Chega. Se num sai chamo o capitão...

SEVERINA:

- Isso... Chama. Aproveita e chama o Coroné Salles. Deixa ele sabê que coisas acuntece aqui, bem debaixo do bigode dele.

BINÁ:

- Que isso agora? Do que ta falano moleca?

SEVERINA:

- Num sabe? Logo vosmicê que sabe tudo! Que tudo vê... Num vai me dizê que seus búzios está te traino, ou será que a mãe Biná ta ficano gagá?

BINÁ:

- procura teu rumo sua má criada.

SEVERINA:

- Ah, que medo!

BERNADETE:

- Cai fora daqui...

SEVERINA:

- Pergunta pra Bernadete... Ela sabe do que to falano. Tenho certeza que vai preferir que eu fique de boca bem fechada. Num é mermo Detinha?




BERNADETE:

- Num sei do que vossuncê ta falano.

SEVERINA:

- Não? Então mode que ta com tanto medo?

BERNADETE:

- Vossuncê é uma cobra venenosa e traiçoeira.

SEVERINA:

- Então cuidado comigo.

BERNADETE:

- Além de mentirosa.

SEVERINA:

- O encontro de hoje a tarde, foi um fingimento?

BERNADETE:

- Estava nos seguindo?

SEVERINA:

- Mio vive mió os mais esperto.

BERNADETE:

- O que você quer?

SEVERINA:

- Na hora certa, saberá. Há detinha! Num quero ta na sua pele quando o capitão do mato, o Coisa Ruim, soubê... E vossuncê sabe muito bem, que ele é doidinho pra colocar as maõs nessa sua pelezinha de negrinha disfarçada de Sinhá.

BERNADETE:

- Vossuncê é um montro!

SEVERINA:

- Ah, se eu fosse vossuncê... Faria tudo que euzinha madar. (Sai)

BERNADETE:

- Meu Deus!

BINÁ:

-Calma menina. Vai vê que ela apenas tá te colocano medo.

BERNADETE:

- Ela descobriu tudo! Tenho certeza. Estou perdida! Perdida... Perdida, mãe Biná.

BINÁ:

- Acalme teu coração filha. Não sofra por antecipação. Calma! Vou te preparar um chá de camomila.
BERNADETE: - E agora? Que farei?

BINÁ:

- Me conte. Quem sabe, posso ajudar...

BERNADETE:

- Infelizmente, não posso. Não posso. Sinto muito mãe Biná.
BINÁ: - Entendo filha. Vamos... Venha comigo. (Saem)


CENA VII

ZULÚ:

- Vossuncê só pode te ficando maluco...

QUILÊ:

- Se amar verdadeiramente é maluquice... Sim, estou maluco.

ZULÚ:

- Nunca uma arrumação dessa dará certo.

QUILÊ:

- É tão difícil acreditar no amor?

ZULÚ:

- No amor não. Mas nessa loucura de um negro, escravo, amando uma moça branca. Ainda mais filha de quem é.

QUILÊ:

- Se depender de mim... Vou me casar com Sinhaninha.

ZULÚ:

- E assim assinará sua sentença de morte.

QUILÊ:

- Se ela quiser... Fujo com ela pro quilombo.

ZULÚ:

- Abestalhou de vez! Nunca que uma moça igual a Sinhaninha vai se acostumar a viver num quilombal.

QUILÊ:

- Aninha me ama.

ZULÚ:

- Mas não suportará uma vida ao lado de um negro fugitivo. Isto se o capitão do mato num te pegar antes.

COISA RUIM:

- O que tanto conversam?

ZULÚ:

- Nada não capitão...

COISA RUIM:

- E o que faz vossuncê a cá?

ZULÚ:

- Fazê um mandado pro meu sinhô.

COISA RUIM:

- Então caça teu rumo.

ZULÚ:

- Se sinhô...

COISA RUIM:

- E tu nego, vorta a teu trabalho. Num quero nego preguiçoso aqui na fazenda não.




QUILÊ:

- Se sinhô... (Sai)

COISA RUIM: - Arre! Estes negos estão aprontando... Eles que me arrumem alguma baderna... (Sai)

CENA VIII

ALVA:

- Estou com os nervos a flor da pele.

CEL SALES:

- Acalma-te. Tudo há de dá certo.

ALVA:

- Fiz o possível para que a hospitalidade que oferecemos a nossos convidados seja o mais agradável possível.

ANINHA:

- Por que tanto mistérios?

CEL SALES:

- Está noite, é uma noite muito especial minha filha. Espero que comporte-se como de acordo a ocasião.

ANINHA:

- Claro papai. Quanto a isso não há com que se preocupar. Os Jamais envergonharia.

ALVA:

- Quanto a isso não temos dúvidas.


BINÁ:

- Sinhá...

ALVA:

- Sim Biná?

BINÁ:

- O coroné Clóvis e sua família acabam de chegar.

ALVA:

- Peça que entram, Biná.

BINÁ:

- Por favor...

CEL SALES:

- Sejam bem vindos!

CLÓVIS:

- Sales... Meu grande amigo. Quanta honra...

CEL SALES:

- A honra é toda minha em recebê-los em minha humilde casa.

CLÓVIS:

- Quanta modéstia! Este é Ramos, meu filho.

RAMOS:

- É um imenso prazer senhor.




CEL SALES:

- Enfim, tenho a honra de conhecê-lo pessoalmente.

RAMOS:

- Espero não desapontá-lo, senhor.

CLÓVIS:

- Minha senhora creio que o senhor já conhece.

CEL SALES:

- Claro. Encantadora como sempre.

CLÓVIS:

- Então está deve ser a bela Ana.

ANINHA:

- Gentileza sua senhor.

ALVA:

- Bem, que tal sentamos...

ALBERTINA:

- É uma ótima idéia... Estou com meus pés me matando.

ALVA:

- Biná...

BINÁ:

- Sinhora?

ALVA:

- Traga-nos um suco.

CEL SALES:

- Senhores... Vou servi-los a melhor bebida de toda redondeza. (Serve)

CLÓVIS:

- Essa é das boas!

CEL SALES:

- E ao que devo a honra dessa tão gratificante visita?

CLÓVIS:

- Como o amigo já deve imaginar... Estou aqui fazendo as formalidades pra honrar a uma promessa feita há alguns anos atrás. Claro que espero que o amigo não há tenha esquecido.

CEL SALES:

- A palavra de um homem é mais valiosa que qualquer fortuna.

CLÓVIS:

- Represento meu filho Ramos e peço ao senhor a mão de sua filha Ana em nome do meu filho, conforme todas as formalidades...

CEL SALES:

- Muito me honra este pedido, pois bem sei da índole de vosso filho e sei o quanto Dr Ramos poderá fazer Aninha feliz. E da minha palavra, não volto atrás. A mão de Aninha está concedida a seu filho.




CLÓVIS:

- Então, só nos resta brindar!

ALBERTINA:

- E você minha jovem o que diz?

ALVA:

- Aninha está feliz! Não é minha filha? Tão grande honra não.
BINÁ: - Com licença sinhá... O suco. (Serve)

ALVA:

- Soubemos que o doutor advoga na capital.

RAMOS:

- Pois é... Depois que regressei da Europa, onde conclui meus estudos, me estalei na capital e abri meu próprio escritório de advocacia.

ALBERTINA:

- Ramos, sente-se muito sozinho na capital. E tendo ele uma vida estabilizada percebeu que chegou a hora de constituir sua própria família.

CLÓVIS:

- E a senhorita?

ANINHA:

- Eu? Que dizer? Se não... Encantada.




ALVA:

- Aninha é tímida. Mas com o tempo o senhor Ramos perceberá a joia de menina que é.

ALBERTINA:

- Como se deu sua educação Ana?

ALVA:

- Aninha foi educada pelos melhores professores particulares que há. Não é mesmo filha? Fala quatro idiomas fluentemente e é uma exímia pianista. Sem contar nos dotes que possui...

ALBERTINA:

- Imagino que seja uma excelente aspirante a dona de casa.

ALVA:

- Isto, eu, pessoalmente fiz ques-
tão de ensiná-la.(Aninha sai um
pouco Ramos a acompanha)

RAMOS:

- Com licença...

ANINHA:

- Fique à vontade.

RAMOS:

- Ouvi muito falar de sua beleza...
Mas não imaginava que fosse tanta.

ANINHA:

- Obrigada, senhor.

RAMOS:

- Ficaria feliz se ao menos esboçasse um sorriso... (Ela esforça um sorriso) Bem melhor assim. Realça mais com sua beleza.
ANINHA: - É melhor entrar. Não fica bem eu ficar aqui em companhia de um cavalheiro.

RAMOS:

- Dá-me a honra? (Ela dá o braço ele a conduz)

BINÁ: - (Entra e cochicha no ouvido de Alva)

ALVA:

- Obrigada, Biná. (Bina sai) Senhores... Senhora... O jantar já está servido.

CEL SALES:

- Já estava na hora, não? Sem cerimônias...

ALVA:

- Por aqui, por favor... (Saem)

CENA IX

QUILÊ:

- Que vossuncê quê aqui?

SEVERINA:

- Por que, num posso?




QUILÊ:

- Num tô afim de conversa com vossuncê.

SEVERINA:

- É uma pena. Sei de uma coisinha que vossuncê num sabe.

QUILÊ:

- Num me interessa suas frutricas.

SEVERINA:

- Mermo que seja de sua querida e amada sinhá Aninha?

QUILÊ:

- Num envolva o nome de Aninha em tuas intrigas.

SEVERINA:

- Ta maió festança lá na casa grande.

QUILÊ:

- Tô sabeno.

SEVERINA:

- Aposto que por isso tá bicudo.

QUILÊ:

- Meta-se com tua vida.

SEVERINA:

- É bonito! O tarzinho, filho do coroné... Dr Ramos, doutor. Bem apanhado mermo! E pelo que ouvi falá... Veio pra noiva com Sinhaninha.

QUILÊ:

- Conversa!

SEVERINA:

- Antes fosse! Pensou mermo que Sinhaninha é mulhé pra vossuncê?

QUILÊ:

- E vossuncê ta se roendo de inveja. Que Aninha pode ter o homem que desejar e já vossuncê...

SEVERINA:

- Quê arquer... Menos vossuncê. Vossuncê vai tê que se contentá com eu... Euzinha!

QUILÊ:

- Isso nunca!

SEVERINA:

- Ah, é? E vai querer cair nas garras do feitor? Se eu conto pro coisa ruim o que eu tô sabeno, Vai te levar pro tronco e vossuncê vai sangrar até a morte.

QUILÊ:

- Por pié que seja o tronco, prefiro ele que vossuncê.
SEVERINA: - Ah, é? Egoísta. Num pensa no que pode acontece com Sinhaninha?




QUILÊ:

- Se atreva e eu te mato.

SEVERINA:

- Isto é... Se vossuncê num morrer antes. Escuta Quilê, se vossuncê num for meu, num será de ninguém. (Sai)

QUILÊ:

- Ainda esgano essa criola. (Sai)

CENA X

ANINHA: 

- Nunca me casarei com senhor Ramos.

BINÁ: 

- Mas o que tá me dizeno menina? Num quero nem imaginá se vosso pai ouvi uma tolice dessa!

ANINHA: 

- Me sinto traída. Ninguém me contou o real motivo da vinda da família do senhor Ramos aqui em casa. Bem sei que a senhora também está de aconchavo com meus pais.

BINÁ: 

- Ora menina! Sou só uma criada de vossos pais...





ANINHA: 

- Mesmo assim... Deverias ter me contado. Se soubesse, talvez evitasse esse jantar.

BINÁ: 

- Se assossegue menina... Esse casamento é certo. E se eu fosse vossuncê me conformava com seu destino. Já tá tudo acertado...

ANINHA: 

- Não se eu morrer.

BINÁ: 

- Cruzes credo! Num diga bobagens menina.

SALES: 

- Por que morreria?

ANINHA: 

- Por me recusar a casar-me com senhor Ramos.

SALES: 

- Alva... Está ouvindo isto mulher? Ouviu o desatino de sua filha?

ALVA: 

- Logo se conformará...

ANINHA: 

- Nunca!
SALES: 
- Biná... Deixo-nos. (Biná sai)

ALVA: 

- Que está acontecendo com você minha filha?

ANINHA: 

- O que há com vocês? Deveria casar-me por amor, não por conveniências...

SALES: 

- Ouviste isso mulher? É sua culpa. Deixá-te tua filha ficar lendo esses livros românticos que só ensina o que não presta, agora deu no que deu.

ALVA: 

- Minha culpa?

SALES: 

- Não ensinar-te nada a tua filha. Veja como fala conosco.

ANINHA:

- Se pensam que vão me conduzir ao altar contra minha vontade, enganam-se, só subirei ao altar em companhia do senhor Ramos morta.

SALES: 

- Me desafie e te jogo num convento.

ANINHA:

- Não será preciso. Morrerei antes.

ALVA: 

- Minha filha... Por que age assim?

SALES: 

- Não sabes? Deste muita liberdade a sua filha. É isto que dá... Deixar a tua filha enfiada na senzala junto aos negros.

ANINHA:

- Tenho meu coração arrebatado por amor...

SALES: 

- Que dizes?

ANINHA:

- Será impossível amar senhor Ramos... Meu coração se encontra ocupado.

SALES: 

- Quem é o infame?

ANINHA:

- É um amor platônico.

SALES: 

- Sabes de alguma coisa Alva?

ALVA:

- Como hei de saber?



SALES: 

- Se prestasse mais atenção no que acontece em tua própria casa, com tua filha, evitaria futuros aborrecimentos.

ANINHA:

- Minha mãe não poderá ser responsável por meus sentimentos.
SALES: - Seus sentimentos é fruto da educação inadequada que tiveste. Casarás com Senhor Ramos, pois dei minha palavra...

ANINHA:

- Nunca!

ALVA: 

- Aninha...

SALES: 

- Que veremos! Coisa Ruim... Coisa Ruim!

COISA RUIM: 

- Sim, Coroné...

SALES: 

- Conduza esta mocinha a seu quarto. Tranque-a e traga-me a chave.

ALVA:

- Sales, isto é mesmo necessário?


ANINHA:

- Pode até me trancar dentro do quarto, mais não podes trancar meus sentimentos.

SALES: 

- Terás muito tempo para pensar. Leve-a.

ALVA:

- Sales...

SALES: 

- Se não soubeste educar tua filha eu saberei. Biná?

BINÁ:

- Sim sinhô!

SALES: 

- Estás proibida de servir água ou comida para Aninha enquanto eu não permitir.

BINÁ:

- Sim, sinhô.

SALES: 

- Diga a mulata Bernadete que há espero no meu escritório. Agora vá.

ALVA:

- Sales...


SALES: 

- Ai de você Alva se tentar descumprir minhas ordens.

ALVA:

- Penso na saúde de Aninha.

SALES: 

- E eu nos princípios morais e éticos que está faltando a esta menina. Vamos acelerar esta casamento antes que seja tarde demais. (Sai)

ALVA: - Meu Deus! Aninha... O que estás fazendo?! (Sai)

CENA XI

SEVERINA:

- Ai, ai... A casa caiu Bernadete.

BERNADETE: 

- Coida da tua vida!

SEVERINA: 

- O coroné tá loco da vida. Ta inté pareceno um touro brabo. Quer sabê a verdade. Que vossuncê vai dizê? Vai menti? Acho mio contá a verdade.

BERNADETE:

- Num sei o que tá dizeno.

SEVERINA: 

- Será? Verdade ou mentira, tá ferrada. Não vai fugi do tronco. E eu? Vou me ri muito. Já tô inté imaginano, a neguinha metida a branca, sinhá, toda descabelada num tronco.

COISA RUIM:

- Bernadete...

BERNADETE:

- Capitão?

COISA RUIM:

- Saia criola. Tenho um assunto em particular com Bernadete.

SEVERINA: 

- Craro capitão! Seu pedido é uma ordem (Sai)

COISA RUIM: 

- Agora é nós...

BERNADETE:

- O que vossuncê há de querê com eu?

COISA RUIM: 

- Por enquanto só a verdade. (Puxa o chicote) Creio que não vou precisá disso. Num é mermo?

BERNADETE:

- Mai num seio de nada.



COISA RUIM: 

- Nem perguntei ainda.

BERNADETE:

- E o que o sinhô quê sabê?

COISA RUIM: 

- Vossuncê é dama de companhia de Sinhaninha... Então deve sabê quem é esse tarzinho por quem a moça anda enrabichada.

BERNADETE:

- Juro por tudo que há de mais sagrado que num sei de nada.

COISA RUIM: 

- Num seja tola. Logo essa situação vai se resolvê... Sinhaninha logo estará casada com aquele almofadinha do senhô Ramos. E vossuncê vortará pra senzala, lugar este que nunca deveria ter saído. E na senzala, estará nas minhas mão, mode eu fazer de vossuncê o que bem quisé.

BERNADETE:

- Juro que não sei de nada.

COISA RUIM: 

- Num sabe na encrenca que vossuncê tá se meteno. Tô aqui te dano uma oportunidade única. Mai sou paciente e sei esperá. Afinal, sou um capitão do mato acostumado a me embreá por estás matas a dentro atrás de negros fujões. Escuta menina... Ninguém foge do meu faro. Ninguém. E se vossuncê estive escondeno arguma coisa, eu hei de descobri. E não terás mai Sinhaninha pra te protegê. Meu sinhô que ter uma conversa com vossuncê. (Sai)

BERNADETE:

- Ah, Aninha... No que vossuncê nos meteu. (Sai)

CENA XII

BINÁ: 

- Quilê...

QUILÊ: 

- Mãe Biná?! Sua benção...

BINÁ: 

- Que Deus te abençoe meu fio.

QUILÊ: 

- Que surpresa é essa?

BINÁ: 

- Vossuncê precisa fugi meu fio.

QUILÊ: 

- Fugi?

BINÁ: 

- As coisas tão compricadas na fazenda. O Coroné tá a um passo de descobri toda verdade.

QUILÊ: 

- Verdade? Mai de que mãe Biná tá falano.

BINÁ: 

- Não precisa escondê de mim meu fio. Sou velha, mai num sou cega não.

QUILÊ: 

- Jamais pensaria tal coisa...

BINÁ: 

- Seio que não. Mas seio que tá aconteceno e por isso tô aqui.

QUILÊ: 

- Como soube?

BINÁ: 

- Conheço Sinhaninha e vossuncê desde que nasceram.

QUILÊ: 

- Nos amamos mãe Biná...

BINÁ: 

- Sabe que esse amô é impossive.

QUILÊ: 

- O amô num deveria ser impossive.





BINÁ: 

- Nunca que esta sociedade irá aceitá que uma moça branca se case com um negro, escravo.

QUILÊ: 

- Amo Aninha.

BINÁ: 

- É um sonho...

QUILÊ: 

- Pra mim é real.

BINÁ: 

- Realidade dói, principalmente para nós negros, escravos... E se  continuá com essa história poderá custá a sua vida.

QUILÊ: 

- Se eu morrer por amô a Aninha morrerei feliz.

BINÁ: 

- E não pensa na dor e no sofrimento de Aninha e de todos que te ama?

QUILÊ: 

- Então que quer que eu faça, desista desse amô?

BINÁ: 

- Salve a tua vida e deixe Aninha em paz para ser feliz.


QUILÊ:

- Não posso fazê isso mãe Biná. Não sou covarde.

BINÁ: 

- Não seja tolo rapai. Esse amô é impossíve.

QUILÊ: 

- Não pra eu...

BINÁ: 

- Ouça meu fio... Fuja. Procure o quilombo.

QUILÊ: 

- Tenho muito respeito por vossuncê mãe Biná, mas não posso fazê isso...

BINÁ: 

- Quilê...

QUILÊ: 

- Agradeço a preocupação, não desistirei de Aninha. Agora, preciso voltá ao meu trabaio. (Sai)

BINÁ: 

- Tolo! Tua teimosia poderá te custá a sua vida. Será que num pecebe que isto ainda vai acabâ mal?




CENA XIII

SEVERINA: 

- Seu café sinhô.

SALES: 

- E Biná onde está?

SEVERINA: 

- Seio não sinhô. Saiu e inté agora num vorto.

SALES: 

- Tudo bem... Pode servi.

SEVERINA: 

- Sim sinhô.

SALES: 

- Pode deixar ai, em cima da mesa.

SEVERINA: 

- Sinhaninha também num tá em casa não.

SALES: 

- Deve ter saído com Alva.

SEVERINA: 

- Sinhá Alva saiu cedo... Só o nego Crispim acompanhava sinhá Alva.



SALES:

- Vosmicê está querendo me dizer algo Severina?

SEVERINA: 

- Num quero parecê atrevida...

SALES: 

- Sabe que recompenso bem pela lealdade de um criado.

SEVERINA: 

- Seio sim sinhô.

SALES: 

- Então se sabe de algo que seja relevante, diga-me.

SEVERINA: 

- Num quero que Sinhaninha me ache futriqueira...

SALES: 

- Como boa escrava deve se preocupar com sua sinhá.

SEVERINA: 

- Embora num seja dama de compania de Sinhaninha, me percupo muito com o bem está dela.

SALES: 

- Bom saber.


SEVERINA: 

- Sei quem é o homi com quem Sinhaninha anda se encontrano.

SALES: 

- Quem é o crápula?

SEVERINA: 

- Se eu dissé, o sinhô promete que num vai fazê nenhum mal pra ele?

SALES: 

- Por que o faria mal?

SEVERINA: 

- Por que quando o sinhô soubé quem é, vai ficá muito brabo...

SALES: 

- Chega de rodeios! Diga logo quem é o canalha.

SEVERINA: 

- Um de seus escravos.

SALES: 

- Que? Que absurdo está me dizendo?!

SEVERINA: 

- Isso mermo que o sinhô ouviu. Um escravo.



SALES: 

- Quem é o negro safado?

SEVERINA: 

- Sinhô... (Com medo)

SALES: 

- Quem é? Diga! (Grita)

SEVERINA: 

- Quilê.

SALES: 

- Negro atrevido! Onde já se viu... Quem mais sabe sobre essa pouca vergonha?

SEVERINA: 

- A nega Bernadete! Ela que está acovitano a pouca vergonha entre Quilê e Aninha. Bernadete traiu sua confiança coroné.

SALES: 

- Bernadete terá o castigo que merece. Chame o capitão do mato.
SEVERINA: - Sim sinhô. (Sai)

SALES: 

- Negro safado! Não perde por esperar. (sai)





CENA XIV

ALVA: 

- Sua benção padre.

PADRE SOARES: 

- Que Deus abençoe filha.

ALVA: 

- Preciso conversar...

PADRE SOARES: 

- Claro... Parece-me aflita. Que houve filha?

ALVA: 

- Padre Soares, minha casa está de cabeça pra baixo.

PADRE SOARES: 

- Não me diga! O que está havendo? O que está lhe perturbando?

ALVA: 

- Aninha.

PADRE SOARES: 

- O coronel Sales me procurou, pareceu-me também aflito, marcou a data do casamento para dentre breve. Essa decisão me deixou muito feliz por vocês. Doutor Ramos é um excelente rapaz.



ALVA: 

- Aninha recusar-se casar. Se declara apaixonada por outro homem.

PADRE SOARES: 

- Apaixonada? Mas quem é esse homem? Nunca soubemos nenhum namorico entre Aninha ou qualquer jovem aqui desta província.

ALVA: 

- Sei disso. Sales está uma fera. Tenho dó desse homem quando meu marido descobrir quem é este que virou a cabeça de nossa filha ao avesso.

PADRE SOARES: 

- Isso vai mal!

ALVA: 

- E não sei. Minha única esperança é que Aninha converse com o senhor. E quem sabe o senhor não possa convencê-la a desistir dessa loucura e casar-se com o doutor Ramos.

PADRE SOARES: 

- Claro! Não custa nada tentar.

ALVA: 

- É minha esperança que Aninha se abra com o senhor.

PADRE SOARES: 

- Amanhã irei a fazenda...
ALVA: 

- Não sabe o quanto lhe agradeço. Agora preciso ir...

PADRE SOARES: 

- Lhe acompanho até a porta.

ALVA: 

- Obrigada! Sua benção.

PADRE SOARES: 

- Que Deus a acompanhe. (Entra)

ALBERTINA: 

- Bons dias!

ALVA: 

- Bons dias Albertina.

ALBERTINA: 

- Que bom reencontrá-la.

ALVA: 

- Digo o mesmo!

ALBERTINA: 

- Ficamos muito felizes com a decisão do Coronel Sales em marcar a data do casamento entre sua filha Aninha e meu filho Ramos, que está radiante, não cabe em tanta felicidade!



ALVA:

- Que bom! Compartilhamos da mesma alegria.

ALBERTINA: 

- Precisamos marcar um chá. Afinal somos quase parentas.

ALVA: 

- Claro! Marcaremos... Mas, agora preciso ir. Sales me espera.

ALBERTINA: 

- Claro! Eu vou falar com o padre Alberto.

ALVA: 

- Então até mais vê. (Sai)

ALBERTINA: 

- Eu hein?! Pareceu-me tão estranha... (Sai)

CENA XV

ANINHA: 

- Quilê!

QUILÊ: 

- Aninha. Ah, é vossuncê?!

ANINHA: 

- Perdão se lhe assustei.


QUILÊ: 

- Faz tempo que tava me observano?

ANINHA: 

- Tens uma bela voz. Quisera eu ouvi-lo cantar outra canção. Acho esta muito triste.

QUILÊ: 

- Combina comigo.

ANINHA: 

- É triste.

QUILÊ: 

- Me faz lembrar da minha terra mãe, minha gente, minha família, que há tempo não vejo, pois fomos bruscamente separados. Mas se não gosta, não canto.

ANINHA: 

- Tua gente aqui em minha terra, é tão maltratada... Infelizes, vítimas de senhores bárbaros e cruéis.

QUILÊ: 

- És uma criatura angelical, gozas da estima de todos os escravos de seu pai.

ANINHA: 

- Não sabes o quanto me sinto lisonjeada.


QUILÊ: 

- Minha gente só sabe o que á alegria quando se reuni dentro da senzala para festejar em culto aos seus deuses, deuses estes incompreendido pelo branco, mas o único conforto pra nós negos.

ANINHA: 

- Ouço suas cantorias e seus batuques. E confesso que acho bonita.

QUILÊ: 

- Qualquer dia... Te convido.

ANINHA: 

- E eu irei.

QUILÊ: 

- Se todos fossem iguais a vossuncê.

ANINHA: 

- Se queixas de tua sorte?

QUILÊ: 

- Não mais... Já me acostumei com minha sorte.

ANINHA: 

- Não devias... Há pessoas se movimentando para mudar isto.



QUILÊ: 

- Os abolicionista?

ANINHA: 

- É.

QUILÊ: 

- Quantas vidas ainda será preciso perdê pra que enfim tenhamos nossa liberdade.

ANINHA: 

- Toda luta deixa mortos ou feridos.

QUILÊ: 

- Num quero que ninguém morra mode eu.

ANINHA: 

- Temos que mudar a história. A escravatura é inadmissível.

QUILÊ: 

- Não saberei o que fazê com essa tal  liberdade se ela vier. A vida inteira trabalhamos para nossos senhores sem nada receber em troca.

ANINHA: 

- Mas se forem livres... Serão livres para recomeçar.

QUILÊ: 

- Tantas leis já inventaram como a do sexagenário, que libertava os escravos com mais de 65 anos, e estes liberto, já velho e cansados... Não tinham pra onde ir, e mesmo assim os senhores coloca pra fora como se fossem lixos...

ANINHA: 

- É compreendo.

QUILÊ: 

- A lei do ventre livre, nunca resolveu nada... As crianças precisa de sua mãe, e uma mãe dificilmente abandona seu fio, este então cresce trabaiano nas fazendas como se fossem escravos, tamém não tem para onde ir.

ANINHA: 

- Mas poderão ir quando puderem partir...

QUILÊ: 

- Minha querida. Nego será tratado sempre como nego, esteja ele onde estivé.

ANINHA: 

- Mas agora com esse movimento em favor da abolição, não demorará muito e todos serão libertos... São muitas pessoas influentes que estão pressionando nossos dominantes a libertar todos os escravos, assim como, ocorrem em vários países no mundo.



QUILÊ: 

- Não vamos mais falar disso... Vamos falar de coisas boas.

ANINHA: 

- De que quer falar?

QUILÊ: 

- Você. Me dá a honra?

ANINHA: 

- Claro.

QUILÊ: 

- Senhorita... (Saem de braços dados)

Nenhum comentário:

Postar um comentário

ATÉ QUE A MORTE OS SEPARE...

   ATÉ QUE A MORTE OS SEPARE...               de Marcondys França PERSONAGENS: CANDIDA MATILDE: Irmã de Cândida. ISABEL: Filha de Cândida. M...